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terça-feira, 20 de maio de 2014

Declarando a Glória de Deus.




Estudo do Salmo 19

Por
Mário Marcos[1]

1. Tipo de Salmo
            O Salmo 19 mistura dois tipos, e isso levou muita gente a dividi-lo em dois. De fato, de 1 a 6 temos um hino de louvor, sem nenhuma introdução. Nele o céu e o firmamento, o dia e noite, em silêncio, cantam os louvores  de quem os criou. É, portanto, um hino de louvor ao Deus criador. Mas na segunda parte de 7 a 14 o estilo é sapiencial, apresentando uma reflexão sobre a lei de Javé.

2. Como está organizado
            O que dissemos até agora ajuda a ver como a Salmo 19 está organizado. Tem duas partes, de estilo diferentes: v.1-6 e v.7-14. Na primeira parte (1-6) temos um solene louvor ao Criador do universo: o céu, o firmamento, dia, noite e, sobretudo, o sol, proclamam sem palavras, os louvores de que os fez. O louvor silencioso é o mais importante, pois demonstra que as palavras não conseguem exprimir tudo o que se sente. O sol é comparado como o esposo que sai do quarto, como guerreiro e como atleta que percorre o caminho que lhe foi traçado.
            Na segunda parte (7-14) encontramos um poema sapiencial cujo tema central é a lei de Javé, também chamada de "testemunho" (7b), "preceitos" (8a), "mandamento" (8b), "temor" (9a), e "decisões". São seis palavras para dizer basicamente a mesma coisa. Ao lado de cada uma dessas palavras repete-se sempre o nome "Javé" (nesta segunda parte este nome aparece 7 vezes) e um adjetivo: "perfeita", "firme", "retos", "transparente", "puro", "verdadeiras". Depois de cada uma dessas afirmações apresenta-se um beneficiado: a alma descansa (7a), e o ignorante se instrui (7b), o coração se alegra (8a), os olhos se iluminam (8b). Tudo isso resumido com duas comparações: a lei é melhor que o ouro mais puro (ou seja, é o que há de mais precioso) e é mais doce que o mel (tido como o que há de mais doce). Em outras palavras o poema afirma que a lei é o que há de mais precioso e mais doce (10).
            Esta segunda parte pode ainda ser subdividida. Após ter apresentado o elogio da lei perfeita, o que há de mais precioso e doce, o salmista olha para si próprio, imperfeito, impuro, orgulhoso e pecador (11-13), terminando com um desejo: que as palavras do salmo, em forma de meditação, agradem a Javé, sua rocha e redentor (14).

3. Por que surgiu
            A primeira parte (1-6) do salmo apresenta uma tensão. De fato, quase todos os povos vizinhos a Israel consideravam o sol e os astros como deuses. Para o salmista, o céu e o firmamento são como uma grande tela na qual Deus deixou impressos sinais de seu amor criador. Em silêncio as criaturas falam da grandeza de quem os fez. O dia de hoje entrega ao dia de amanhã uma senha; esta noite entrega à próxima noite a mesma senha; serem anunciadores silenciosos do amor do Criador. Mesmo não usando palavras, a mensagem silenciosa deles chegará aos confins do mundo. Cada dia e cada noite trazem sempre o mesmo anuncio.
             O sol não é Deus, mas sua criatura. Naquele tempo pensava-se que ele girasse ao redor da terra. Por isso supunha-se que, de manhã, da tenda invisível que Deus fez para ele no Oriente, percorrendo como esposo, herói e atleta seu percurso, até entrar de novo em sua tenda no Ocidente. Esposo porque é sinônimo de fecundidade, herói porque ninguém escapa ao seu calor, atleta porque ninguém o pode deter.
            A segunda parte (7-14) também esconde uma tensão com as "nações". De fato, para Israel a grande e insuperável comunicação de Deus se chama "Lei". Foi com ela que deixou bem claro seu projeto e as condições para que Israel fosse seu aliado. O que Israel tem para oferecer as nações? Uma lei perfeita e justa, fruto da aliança com um Deus muito próximo: "De fato, que grande nação tem um Deus tão próximo como Javé nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? Que grande nação te estatutos e normas tão justas como toda esta e lei que lhes proponho hoje?" (Dt-4:7-8).
            Depois de falar da perfeição da lei, o salmista pensa na própria fragilidade (11-14). A lei é perfeita, ele é imperfeito. A lei é pura como ouro purificado, mas ele precisa ser purificado das faltas que cometeu sem perceber. problema maior: o orgulho ou a arrogância, que domina a pessoa, tornando-a responsável de grandes transgressões.

4. O rosto de Deus
            Duas imagens de Deus são muito fortes neste salmo: O Deus da Aliança (7-14), que entrega alei a seu povo, e o Deus Criador, reconhecido como tal por suas criaturas em todo o mundo (1-6).
            O Novo Testamento viu em Jesus o cumprimento perfeito da nova Aliança, aquele que faz ver de forma perfeita o pai (Jo-1:18 e 14:9). Sua lei é o amor (Jo-13:34). Jesus louva o Pai por ter revelado seu projeto aos pequeninos (Mt-11:25) e mandou a prender com os lírios do campo e as aves do céu o amor que o Pai tem por nós (Mt-6:25-30).

5. Aplicação pessoal
            A primeira parte do salmo nos ajuda a aprender a partir da criação, contemplar em silêncio as mensagens que vem das criaturas. Com isso aprendo que devo anunciar meu Deus e seu amor mesmo em silêncio, ou seja, minha vida deve ser um testemunho sem que seja necessário palavras para isso. É um salmo ecológico e cósmico. A segunda parte nos faz entrar em comunhão com projeto de Deus presente na Bíblia, com o mandamento do amor. Faz pensar em nossa fragilidade. É oportuno para quando queremos livrar-nos da arrogância e do orgulho.
           







[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509.Convalidado pela Faculdade Unida, Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Desabafo de um Profeta.



DEUS X RELIGIÃO
Por
Mario Marcos


            Desde a infância luto incessantemente com minhas dúvidas a respeito da existência ou não de Deus.  E nesta busca para responder a essa pergunta, encontrei respostas muito pessoais e cada um deve tirar a sua própria conclusão, mas neste estudo nada cientifico, outra questão me incomodou. O fato de existirem tantas religiões e diferentes credos, até mesmo divisões dentro delas, e o mundo continuar a ser tão carente de paz e amor, me fez questionar a necessidade de termos essas religiões. A conclusão que cheguei é que em verdade, elas são o câncer da sociedade, alimentando rivalidades, guerras, desunião, instigando os fiéis a lutar por mais afiliações a esta ou aquela religião; sempre com o mote da evangelização.
            Desde muito pequeno, fui e sou muito questionador e critico, e simplesmente não me satisfaz apenas ouvir e aceitar o que dizem, sempre há um por que a ser respondido, sempre haverá uma pergunta a ser feita. Assim me pergunto por que o Padre ou Pastor ou Rabino, ou qualquer outro líder espiritual pode me dizer o que fazer da minha vida, será que Deus tem ouvidos apenas para esses iluminados?  Têm-se um só Deus, porque a mensagem é diferente para Cristãos, Judeus e Muçulmanos?  A conclusão parece óbvia.  As mensagens que eles transmitem são mensagens deles e não de Deus, daí tanta divergência. Descobri que devemos buscar nossas próprias respostas, perguntar diretamente a Deus que reside em seu coração e é único, onipresente, onisciente em você irmão.  Não há necessidade de rituais, de regras, de orações decoradas, apenas diga com a voz do coração, e a resposta será imediata, personalizada e única. Não me chame de herege, mas perdi a fé.
            Perdi a fé em um Deus que só realiza “o milagre” se eu tiver fé, perdi a fé em um Deus que só ouve “os escolhidos”, perdi a fé em um Deus que a qualquer deslize meu quer me fulminar, perdi a fé em um Deus que faz acepção de pessoas, ou não pregamos: “Então vereis outra vez a diferença entre o que serve a Deus e o que não serve”? Esta diferença está no meu agir não no tanto que serei beneficiado. Desculpem-me pelo desabafo, mas ganhei uma nova fé, fé em um Deus que celebra a vida, que me ama e que independe do que eu faça para me amar.
            Em minha experiência cristã, deparei-me com uma triste constatação:nem sempre Deus é um elemento relevante, impulsionador e libertador da pessoa. Ao contrário, ao redor de sua imagem se acumulam medos, terrores e cargas morais, repressões ou reduções vitais. Não, Deus nem sempre é uma força que desato os nós, livra os embaraços, torna mais leve o peso da vida ou eleva as pessoas acima das misérias existenciais e cotidianas. Com freqüência, Deus é uma carga pesada, muito pesada. E muitos não se atrevem nem a jogar fora esse fardo.
            Quero poder colaborar para libertar as pessoas desse "Deus" opressor. Gostaria de ajudá-las a descobrirem que essas "imagens de Deus"  não são o Deus de Jesus, mas sua negação. É preciso mudar nossas imagens de Deus. Precisamos distinguir continuamente entre o que é nossa idéia e representação de Deus e o que é Deus. Freqüentemente não o fazemos nem somos ajudados a fazê-lo na igreja. Nós que falamos de Deus - e alguma vez quase todos o fazemos -, com freqüência falamos com pouco respeito ou com distância entre o que são nossas palavras e imagens de Deus e o que é o mistério de Deus. Ninguém nunca viu Deus..(Jo-1:18), mas nos comportamos como se tivéssemos tomado café com ele.
            Deveríamos recordar continuamente o aviso de Karl Barth, um dos maiores teólogos do século XX, nos deixava a respeito de seu discurso sobre Deus: não esqueçais que isso é dito por um homem de Deus. Sempre falamos, homens e mulheres, seres humanos, em linguagem humana, com os condicionamentos humanos. Com freqüência esquecemos isso.
            O pior é que algumas das afirmações e representações feitas com certa leviandade sobre Deus, dentro da igreja, se tornam verdades intocáveis. Não guardam a devida distância em relação ao mistério. Não sabem nem avisam que são homens, por mais importantes que sejam, santos e inteligentes que sejam, que falam do mistério de Deus. Na melhor das hipóteses, deveríamos colocar um aviso generalizado em todas as igrejas evangélicas, paróquias, salas de conferência, catequeses e seminários e intelectuais do mundo: "Lembrem: aqui quem fala de Deus são seres humanos, homens e mulheres". Certamente ajudaríamos, um pouco pelo menos, não confundir Deus com nosso discurso e representações sobre ele.



sexta-feira, 9 de maio de 2014

Encontro com Deus






Interpretação bíblica do Salmo 15
Mario Marcos Andrade da Silva*


Introdução

            Este trabalho pretende ser uma interpretação bíblica sobre o Salmo 15, nosso objeto de estudo. Para tais propósitos vamos utilizar ferramentas exegéticas, elas nos ajudam a conhecer o texto na sua forma e conteúdo. Abordaremos os seguintes itens: tradução do texto, data, autoria, lugar, gênero literário, forma e poesia, finalmente assunto de interpretação. Além do mais, forneceremos uma conclusão que possa ter relevância em nossa atualidade.

1.      O texto e sua tradução (Sl 15)[1]
           
1Senhor, quem será recebido em sua tenda?
Quem habita na montanha santa?
2 O homem de conduta íntegra
que prática a justiça
e cujos pensamentos são honestos.
3Ele não deixou à solta sua língua,
não fez mal aos outros.
nem ultrajou seu próximo.
4A seus olhos, o reprovado é desprezível;
mas ele honra os que temem o Senhor.
Se se prejudicar em um juramento, não se retrata;
5não emprestou seu dinheiro com usura,
nada aceitou para deitar a perder um inocente.
Quem age assim permanece inabalável.




2.      Data, autoria e lugar

            A datação do Salmo é problemática pelo seu caráter poético. No entanto, tentaremos algumas aproximações a partir das dicas fornecidas pelo mesmo texto.

            O Salmo carece de informações históricas concretas, entretanto, fala de “tenda” (v.1). A referência pode nos indicar que o texto pertence à época pré-exílica. Também ele se encontra entre a coleção dos salmos de Davi que, segundo as pesquisas podem ser localizadas em tempos da monarquia.[2]

            No que concerne a autoria do Sl 15 consideramos o seguinte: aparentemente pertence a Davi porque afirma o cabeçalho. Mas a comunidade acadêmica tem mostrado que estes títulos foram acréscimos posteriores.[3] Porém, não sabemos quem é o autor do Salmo. Ele se apresenta como uma homenagem ao rei Davi.

            Em relação ao lugar, sendo o Sl 15 um fragmento antigo de uma liturgia (v.1a), isto pode nos indicar que o salmista encontrava-se no templo, local onde se reunia a comunidade cultual de Jerusalém (Sl 24,3; 33,14; 125,2).

3.      Gênero Literário
           
            Segundo Bortolini, trata-se de uma liturgia semelhante ao Sl 24.[4] Outro estudioso do saltério, Derek Kidner, também considera que se trata de uma liturgia e o compara a outros textos veterotestamentários como Ex 19,10-15; 1 Sm 21,4-5.[5]

            Podemos dizer que se trata de um salmo litúrgico, pois sua forma e conteúdo mostram parte do acontecimento cultual no templo (v.1).




           
4.      Forma e Poesia
           
Cabeçalho: salmo davídico
Frase principal: Senhor, quem habitará no teu tabernáculo?  (v.1)
Primeira estrofe: Critérios para entrar no templo. (v.2-5a)
Frase conclusiva: Quem assim procede nunca será abalado?  (v.5b)

            Com relação à poesia do Sl 15 podemos considerar sua característica hebraica. Ela se distingue pelo seu modo de repetir o sentido de suas frases. Por exemplo: ao observar o v.1 notamos que a palavra “hospedar-se” pode funcionar como paralelo de “habitar”; enquanto que “tenda” pode ser analisada junto à expressão “monte sagrado”.

            No v.2, a expressão “anda com integridade” vai unida a “pratica da justiça”. Igualmente “falar a verdade” se relaciona antonimamente com “deixar a língua correr”.  “Lesa seu irmão” tem conexão com “insultar ao próximo” (v.3). E “desprezar o ímpio” se mostra como ação contraria a “honrar os que temem a Javé” (v.4a). A ação de “jurar com dano próprio” devem ser estudados, especialmente, com a frase “não emprestar dinheiro com usura” e “nem aceirar suborno” (v.4b-5a). Depois observamos que o texto termina com uma frase conclusiva “quem age deste modo jamais vacilará” (v.5b). Ela conecta com o sentido da primeira frase do Salmo (v.1), deixando o texto como uma unidade literária coesa.  

5.      Assunto de interpretação
           
            O Salmo mostra um padrão de perguntas e respostas. No seu contexto vital existe uma controvérsia em torno da ética para habitar ou entrar no santuário. A teologia do texto se encaixa dentro da tradição profética (Isaías, Miquéias e Amós) que denuncia a exploração justificada pela religião.

            Vemos no primeiro versículo que o salmista faz um questionamento como introdução que dará o tom para o desenvolvimento do texto. É importante destacar a imagem do monte santo, porque segundo a tradição do êxodo (Ex 3.1; 19.2; 24.12), era o lugar de encontro com Deus. Porém, quando o salmista se empenha em indagar quem teria condições para entrar no templo, procura pôr os critérios para quem pretenda se encontrar com Deus.

            No v.2 o salmista começa a indicar esses critérios destacando a prática da justiça, que segundo Isaías 33.15, podemos entender como falar com retidão, ou seja, falar a verdade, que indica um verdadeiro interesse pelo próximo sem buscar benefícios para si; não tirar proveito de pessoas que estão em situação desfavorável; respeitar o direito do próximo e não ter prazer na violência.

            A partir do v.2 se constata que, para a teologia do salmista, a ética cotidiana não estava separada das celebrações litúrgicas. Tudo indica que o espaço sagrado exigia níveis profundos de transformação pessoal.

O Salmo destaca o adequado uso da língua (v.2b-3). Segundo outros textos contemporâneos, a língua podia ser comparada com uma “espada afiada” (Sl 52,4), pelo seu poder de ferir e matar. E, também, como o mesmo texto indica, a língua parecia ser o médio eficaz para “lesar o irmão”, “insultar” (v.3), planejar usura (v.5a), “subornar” (v.5b).  O mau uso da língua procura prejudicar o outro (Pv 6,19), e revela, segundo o conteúdo do texto, dois projetos de vida diferentes: o dos ímpios (v.4a) e o dos que temem a Javé (v.4b).

Logicamente que o Sl 15 apresenta a teologia da retribuição: separação de justos e pecadores e a visão de um Deus que acolhe os bons e despreza os ruins. Mas, o nosso interesse vai se centrar no aspecto de que não se pode servir a Deus sem servir aos irmãos (v.2-5).

            O salmista encerra respondendo a pergunta inicial (v.1) com relação aos que podem entrar ou habitar no monte santo: os v.2-5 deram a resposta. Os que praticam estes preceitos, também localizados em outras referencias bíblicas, (Ex 22.25, Lv 25.35-37; Dt 15.2) estão em sintonia com o desejo de Deus.

Algumas questões para refletir:

            Que lugar ocupa Deus na minha vida? Que lugar ocupam meus irmãos? Onde termina um, onde começa o outro? Existe um limite realmente? Nossa ética está em harmonia com os “sonhos” de Deus? Como tornar a pratica da justiça eficaz em nossas comunidades?

            Respondendo estas perguntas, também saberemos como é nosso encontro com Deus.






*O autor é bacharelando em teologia pelo (ICEC) Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, além de especialista em escatologia e angelologia pelo Ide Missões.
[1] Tradução do texto extraído da Bíblia Tradução Ecumênica, São Paulo, Loyola, 1994.

[2] Nome do autor, Título do livro, Lugar, Editora, Ano, p.15.
[3] José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, São Paulo, Paulus, 2006, p.11-12.
[4] José Bortolini, p.70.
[5] Derek Kidner, Introdução e comentário dos salmos, São Paulo, Vida Nova, 1992, p.97.