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domingo, 28 de abril de 2013

DO TABERNÁCULO DE MOISÉS AO TEMPLO DE SALOMÃO






DO TABERNÁCULO DE MOISÉS
 AO TEMPLO DE SALOMÃO 
Por Mario Marcos1

     A palavra Tabernáculo vem do latim tabernaculum, "tenda", "cabana" ou "barraca" e designa o santuário portátil onde durante o Êxodo até os tempos do Rei Davi os israelitas guardavam e transportavam a arca da Aliança, a menorá e demais objetos sagrados. Em hebraico se chamava mishkan, משכן , "moradia", (local da Divina morada). Também se denominava mow'ed, מוֹעֵד , "Tenda da Reunião". Era composto de três dependências: Átrio Exterior, Santo Lugar e Santo dos Santos. 
Os objetos sagrados que acompanhavam o tabernáculo eram:

 No Átrio Exterior
      Altar do Holocausto - onde eram oferecidos os sacrifícios a Deus. 
    Bacia - Onde os Sacerdotes lavavam os pés e as mãos simbolizando uma purificação para entrar no Santo Lugar.

No Santo Lugar
     Altar do incenso - Localizado do lado oposto a entrada, no fundo, pouco antes do véu que separava do Santo dos Santos. Era usado para se queimar incenso pela manhã e à tarde pelos sacerdotes.
   Mesa dos Pães da Proposição - Ficava logo à direita da entrada. Tinha esse nome pois todo Sábado eram colocados 12 pães, simbolizando as 12 tribos de Israel em cima dela.
   Candelabro de Ouro - À esquerda da entrada, com sete hastes. Era diariamente enchido pelos sacerdotes para que nunca se apagar, Somente enquanto estava sendo transportado.

Santo dos Santos
     O Véu - Cortina que separava o Santo Lugar do Santo dos Santos.
Arca da Aliança - Simbolizava a Presença de Deus e carregava as Tábuas da Lei - os 10 Mandamentos - a Vara de Aarão, que floresceu e o pote de maná (alimento mandado por Deus no deserto). Era a peça mais santa do Tabernáculo. 
     Propiciatório - Nada mais do que a tampa da Arca. Era o lugar onde o Sumo Sacerdote, uma vez ao ano, no dia da Expiação, aspergia o sangue pela remissão de seus pecados e pelos pecados do povo.
    
     Tabernáculo pode também designar o sacrário, um pequeno cofre colocado sobre o altar das Igrejas onde são guardadas a píxide ou a custódia, onde está a Eucaristia.
  
     O Templo de Salomão (no hebraico בית המקדש , Beit HaMiqdash), foi, segundo a Bíblia Hebraica, o primeiro Templo em Jerusalém, construído no século XI a.C., e teria funcionado como um local de culto religioso judaico central para a adoração a Javé, Deus de Israel, e onde se ofereciam os sacrifícios conhecidos como korbanot. 
Intervenção de Davi 
     O Rei Davi, da tribo de Judá, desejava construir uma casa para Jeová (YHWH), onde a Arca da Aliança ficasse definitivamente guardada, ao invés de permanecer na tenda provisória ou tabernáculo, existente desde os dias de Moisés. Segundo a Bíblia, este desejo foi-lhe negado por Deus em virtude de ter derramado muito sangue em guerras. No entanto, isso seria permitido ao seu filho Salomão, cujo nome significa "paz". Isto enfatizava a vontade divina de que a Casa de Deus fosse edificada em paz, por um homem pacífico. (2 Samuel 7:1-16; 1 Reis 5:3-5; 8:17; 1 Crónicas 17:1-14; 22:6-10).
     Davi comprou a eira de Ornã ou Araúna, um jebuseu, que se localizava monte Moriah ou Moriá, para que ali viesse a ser construído o templo. (2 Samuel 24:24, 25; 1 Crónicas 21:24, 25) Ele juntou 100.000 talentos de ouro, 1.000.000 de talentos de prata, e cobre e ferro em grande quantidade, além de contribuir com 3.000 talentos de ouro e 7.000 talentos de prata, da sua fortuna pessoal. Recebeu também como contribuições dos príncipes, ouro no valor de 5.000 talentos, 10.000 daricos e prata no valor de 10.000 talentos, bem como muito ferro e cobre. (1 Crónicas 22:14; 29:3-7) Salomão não chegou a gastar a totalidade desta quantia na construção do templo, depositando o excedente no tesouro do templo (1 Reis 7:51; 2 Crónicas 5:1).

Aspectos da construção 
     O Rei Salomão começou a construir o templo no quarto ano de seu reinado seguindo o plano arquitectónico transmitido por Davi, seu pai (1 Reis 6:1; 1 Crónicas 28:11-19). O trabalho prosseguiu por sete anos. (1 Reis 6:37, 38) Em troca de trigo, cevada, azeite e vinho, Hiram ou Hirão, o rei de Tiro, forneceu madeira do Líbano e operários especializados em madeira e em pedra. Ao organizar o trabalho, Salomão convocou 30.000 homens de Israel, enviando-os ao Líbano em equipes de 10.000 a cada mês. Convocou 70.000 dentre os habitantes do país que não eram israelitas, para trabalharem como carregadores, e 80.000 como cortadores (1 Reis 5:15; 9:20, 21; 2 Crónicas 2:2). Como responsáveis pelo serviço, Salomão nomeou 550 homens e, ao que parece, 3.300 como ajudantes. (1 Reis 5:16; 9:22, 23)              Salomão mandou entalhar grandes pedras (1Reis 5:15) que eram encaixadas umas nas outras, de forma que não se usavam ferramentas para entalhar na obra (não se ouviam martelos ou instrumentos de ferro na obra).
No templo se utilizava escada tipo caracol para subir aos dois pavimentos superiores (1 Reis 6:8).
      Foi um período extremamente prospero para a nação, neste período Salomão passa a criar cavalos, institui trabalhos forçados para os nativos da terra (cananeus) contrariando a palavra profética escrita no livro de Deuteronomio 17:14 a 17: chegando na terra prometida, buscariam ter reis e nunca poderiam tornar-se semelhantes ao Egito. Este período de prosperidade só foi possivel após as guerras vencidas por Davi, seu pai, conforme relata o prórpio Salomão em 1 Reis 5:3, esta foi a forma de Javé não dar condições para Davi realizar a obra. 
     O templo tinha uma planta muito similar à tenda ou tabernáculo que anteriormente servia de centro da adoração ao Deus de Israel. A diferença residia nas dimensões internas do Santo e do Santo dos Santos ou Santíssimo, sendo maiores do que as do tabernáculo. O Santo tinha 40 côvados (17,8 m) de comprimento, 20 côvados (8,9 m) de largura e, evidentemente, 30 côvados (13,4 m) de altura. (1 Reis 6:2) O Santo dos Santos, ou Santíssimo, era um cubo de 20 côvados (8,9 m)de lado. (1 Reis 6:20; 2 Crónicas 3:8)
     Os materiais aplicados foram essencialmente a pedra e a madeira. Os pisos foram revestidos a madeira de junípero (ou de cipreste segundo algumas traduções da Bíblia) e as paredes interiores eram de cedro entalhado com gravuras de querubins, palmeiras e flores. As paredes e o tecto eram inteiramente revestidos de ouro. (1 Reis 6:15, 18, 21, 22, 29) 
     Após a construção do magnífico templo, a Arca da Aliança foi depositada no Santo dos Santos, a sala mais reservada do edifício. Anos posteriores. Teria sido pilhado várias vezes e teria sido totalmente destruído por Nabucodonosor II da Babilónia, em 586 a.C., após dois anos de cerco a Jerusalém. Os seus tesouros teriam sidos levados para a Babilónia e tinha assim início o período que se convencionou chamar de Exílio Babilônico ou Cativeiro em Babilónia na história judaica. Décadas mais tarde, em 516 a.C., após o regresso de mais de 40.000 judeus da Cativeiro Babilónico foi iniciada a construção no mesmo local do Segundo Templo. O rei Herodes, o Grande, querendo agradar os judeus reconstruiu o templo, que foi destruído pelo general Tito em 70 EC, pelos romanos, no seguimento da Grande Revolta Judaica. Hoje o que resta, erguido, do Templo de Herodes é o Muro das Lamentações, usado por judeus ortodoxos como lugar de oração.

[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Convalidado pea Faculdade Unida, Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.  





quarta-feira, 10 de abril de 2013

O PROFETA DAS VISÕES







O PROFETA DAS VISÕES
(Breve comentário sobre Ezequiel)



Por
Mario Marcos[1]

           

INTRODUÇÃO
            Ezequiel: um homem, sem dúvida, descontente, de gênio tão variado, tão rico, tão complexo, que seu livro se nos apresenta denso e difícil de percorrer. Todavia este livro dá testemunho de um homem que viveu um dos momentos mais dramáticos da história de Israel e cuja experiência espiritual é uma das mais aptas a esclarecer o destino do povo de Deus. Não será, então, de particular atualidade?
            A personalidade de Ezequiel reflete uma força mística. A proximidade do seu contato com o Espírito suas visões e a freqüência com a qual a palavra do Senhor vinha até ele fornece um paralelo entre os profetas extáticos mais antigos e os profetas escritores clássico. Suas experiências espirituais também anteciparam a atividade do Espírito Santo no NT. A ele adequadamente pertence o título de “carismático”.
            A mensagem de Ezequiel foi endereçada ao resto dos pervertidos de Judá e aos exilados na Babilônia. A responsabilidade moral do indivíduo é um tema de primeira importância em sua mensagem. A responsabilidade coletiva não mais resguarda o indivíduo. Cada indivíduo deve aceitar uma responsabilidade pessoal pela desgraça da nação. Cada indivíduo é responsável pelo seu pecado individual (18-2-). Foi o peso do pecado acumulado de cada indivíduo que contribuiu para o rompimento do concerto de Deus com Israel, e cada qual leva uma porção da culpa pelo julgamento que resultou no exílio para a Babilônia.
 

O LIVRO DE EZEQUIEL
            Sua estrutura se apresenta simples e lógica. Depois do relato da vocação do profeta (1:1-3:21), vem os oráculos que anunciam o julgamento de Jerusalém (3:22-24:27) , o castigo das nações (25-32) e a restauração do povo aniquilado (33-37). O livro se completa nas vastas perspectivas de um horizonte distante: aos olhos do leitor, desenrola-se inicialmente a decisiva batalha do povo de Deus diante de terríveis inimigos (38-39); depois se desenha a silhueta da montanha sobre a qual Ezequiel vislumbra a capital futurista do povo de Deus renovado (40-48).
            Mas, depois de ultrapassado esse esquema, bastante lógico, o livro espanta por certa liberdade que aparenta desordem. Assim, no interior do cap. 34, os temas do pastor e do rebanho se desenvolvem em sentidos diversos (inspirados, é verdade em Jr-23;1-6), e o cap. 1 contem um acúmulo de detalhes estranhos, aparentemente supérfluos – as rodas, por exemplo – ou então acrescentados em detrimentos de coerência gramatical. Os discípulos de Ezequiel têm grande responsabilidade nessa desordem. Aparentemente indiferentes a toda lógica, fragmentaram seus oráculos: (3:22-27) (4:4-8) (24:15-27) e (33:21-22) poderiam ser os membros dissociados de um relato contínuo; ou então aproximaram indevidamente oráculos independentes, unindo-os por um vínculo fictício: assim é que o termo de encadeamento “espada” (cap. 21) serve de elo entre os parágrafos alheios uns aos outros: a espada do Senhor (21:6-12), espada bem afiada (21:13-22), do rei da Babilônia (21:23-32), erguida contra os amonitas (21:33-37); esses discípulos chegaram a repetir várias vezes os mesmos oráculos: “os justos caminhos do Senhor” encontram-se – idênticos, ou quase – em (18;1-32) e (33:10-20).
            O próprio Ezequiel não é totalmente estranho à atual fisionomia de seu livro; foi ele o primeiro a sobrecarregar as frases com detalhes, os capítulos com parágrafos, todos portadores de uma doutrina capital, mas sem compromisso com a harmonia primitiva: assim aconteceu-lhe completar os relatos das visões (1-3; 8-11) ou de certo gesto profético (4:4-17) etc. Aliás, era o que desejava seu gênio variado, instável, quase doentio, por assim dizer. Não o vemos prostrado (3:15), mudo (3:26), talvez paralisado (4:4-8)? Esse gênio não consegue defender-se da atração dos extremos: é fulgurante e meticuloso, pronto para o sublime e para o trivial; deixa-se seduzir pelo peso do barroco, deixa-se levar pela embriaguez do surrealismo (ver os poemas da águia: 17:1-10; do dragão: 32:1-8), e em seguida encerra sua imaginação impetuosa e sua frase redundante nas frias distinções de um casuísta (caps. 18 e 33), na monótona descrição de uma geografia de computador (caps. 47 e 48), na seca enumeração de dados arquitetônicos (caps. 40 e 42) ou nos parágrafos cansativos de rubricas minuciosas (44:46). È ainda ele que se deixa guiar pelos marcos preciso da história – as alusões históricas são numerosas no plano de fundo dos capítulos 16 e 19, ou nos diversos oráculos contra as nações – e que mostra familiaridade com riquezas inesgotáveis, perspectivas fugidias e indefinidas da evocação mística: o homem primordial e o jardim do Éden (cap.28), a árvore cósmica (cap. 31), as regiões infernais (cap. 32).
            O livro de Ezequiel faz parte da subdivisão chamada Profetas maiores do cânon hebraico e encontra-se logo após Isaías e Jeremias. A Bíblia em português adota a ordem da Septuaginta e coloca Ezequiel após Lamentações. Apesar do livro sempre ter feito parte do cânon hebraico, estudiosos judeus posteriores questionam seu valor pelas aparentes discrepâncias entre sua interpretação do ritual do templo e as prescrições da lei mosaica (Divergência no número e nos tipos de animais sacrificados na Festa da Lua Nova (Nm 28.11 e Ez 46.6). Os rabinos finalmente restringiram o uso público e particular de Ezequiel.

O PROFETA EZEQUIEL
            Ao longo deste livro, cuja estrutura e estilo já esboçam a silhueta de alguém, finalmente aparece um personagem, Ezequiel, o profeta. Ezequiel, cujo nome significa “Deus fortalece” é identificado como o filho de Buzi, o sacerdote (1:3). Embora essa identificação tenha sido questionada, parece não haver uma razão válida para se duvidar disso. Ele era, provavelmente, um membro da família sacerdotal dos Zadoqueus, que se tornaram importantes durante as reformas de Josias 621 a.C. Ezequiel passou seus vinte e cinco primeiros anos da sua vida em Jerusalém. Estava se preparando para o serviço sacerdotal do templo quando foi levado prisioneiro à Babilônia em 597 a.C. Ezequiel desenvolveu a sua atividade profética na Babilônia entre os anos 593 e 571 a.C. representando a passagem da profecia pré-exílica para o período pós-exílio. De fato, a sua atividade desenvolveu-se em plena fase que antecedeu a destruição de Jerusalém (em Janeiro de 587 a.C.) e durante o período de cativeiro na Babilônia.   
            Contemporâneo da queda de Jerusalém (587 a.C), às vezes da à impressão de ter começado sua pregação na capital palestina, antes de continuá-la e de levá-la a termo entre os deportados, às margens do rio kebar.  Assim se explicaria melhor, entre outras coisas, a minuciosa descrição de todos os gestos idolátricos realizados no Templo (cap.8). Mas o argumento parece pouco convincente, a maioria dos comentadores julga que toda a atividade profética de Ezequiel se desenrola em terra babilônica, junto a uma cidade: Tel-Abib; o profeta fora levado pra lá antes da destruição de Jerusalém, por ocasião das primeiras gazuas palestinas de Nabucodonosor (598 a.C). São registradas as datas de certos oráculos. A visão celestial do capítulo 1 não é confiável (tratarei deste assunto ao analisar alguns textos), mas as outras são dignas de atenção. A visão dos pecados de Jerusalém (8:1) é situada no sexto ano (do exílio do rei Joaquim, que é também o de Ezequiel), ou seja, exatamente 17 de Setembro (mês de elul no calendário judaico) de 592 a.C. o oráculo da panela (24:1) é datado do nono ano, ou seja, 15 de dezembro (mês de tevet no calendário judaico) de 589 a.C. dia em que Nabucodonosor começou o cerco de Jerusalém; outros são datados no décimo ano 588, no tempo em que o faraó do Egito se encontra em má situação (29:1); no décimo primeiro, em 587 (26:1), no décimo segundo, ou seja, no início de 585 (33:21), no vigésimo quinto, em 573 (40:1), e por fim no vigésimo sétimo em 571 (29:17).

A MENSAGEM DE EZEQUIEL
            É, pois, na Babilônia que se desenvolveu a atividade daquele que era até então um sacerdote e que conservou, até o fim da vida, sua mentalidade de sacerdote perito em culto, liturgia, rubricas e sacristias (caps. 40-48); é lá ainda que, de repente, ele se transtorna. Produzem-se dois acontecimentos: a irrupção da glória de Deus fez desse sacerdote um profeta, e a queda de Jerusalém transformam o pregador de condenação em pregador de salvação. Vamos analisar estes dois fatos:
            A irrupção da Glória: Eis, pois, que a partir de certo dia, a vida de Ezequiel é como que invadida pela glória do Senhor. Ela se mostra em várias ocasiões (1:28; 3:23; 8:4; 10:1; 43:2), deixando-o todas as vezes atônico, extasiado (3:15).
            Que vê ele? No meio de uma grande nuvem, precedido pelo sopro da tempestade, um fogo em forma de redemoinho; e depois, seres vivos. São quatro; eles voam, sustentam um firmamento sobre o qual aparece um trono. Acima, há como o aspecto de homem, com uma claridade ao redor dele... É o aspecto da glória do Senhor (1:4-28).
            No fundo, o profeta está em vias de reviver, mas com gênio diferente e noutro contexto, a visão de seu grande predecessor, Isaías. Ele acaba de receber a revelação esmagadora da transcendência do Senhor, da Glória daquele que é o rei de toda a terra (Is-6:3). Este último ponto está ausente da descrição inicial de Ezequiel, mas o profeta sugere sua verdade acrescentando traços secundários, com o risco de obscurecer sua intuição primordial. Assim se explica a longa descrição desses animais fantásticos, tomados do bestiário mítico dos babilônios, que o profeta se compraz em ver a serviço do Senhor; ou ainda a presença, totalmente supérflua, de rodas alucinantes que mostram ao seu modo que a Glória é onipotente em todos os lugares.
            Esmagado por essa revelação, Ezequiel percebe violentamente sua pequenez; em face da Glória ele não passa de um ínfimo e derrisório filho de homem, hesitante atônito (1:28; 2:2; 3:14-17; 22:24); sobre ele a mão do Senhor (1:3; 3:22; 33:22; 37:1; 40:1) caiu (8:1) pesadamente (3:14); sobre ele também, o Espírito do Senhor vem (2:2; 3:24), (11:5), para arrebatá-lo (3:12.14; 8:3; 11:1.24; 43:5).
            Mas o profeta percebe a Glória que sai do templo e se afasta de Jerusalém (11:22.23). O Senhor deixa Sião! Por quê? Como?
            Ezequiel descobre no pecado de Israel o motivo de tão dramática separação; o pecado de Israel é o mau endêmico do qual ele procura entrever a gravidade, a extensão, a profundidade. O pecado é o ato de violência, o crime em que o sangue é derramado (7:23; 9:9; 16:36; 18;10 etc.), que, pelo menos uma vez põe em pé de igualdade com a idolatria (36:18). Pois o pecado capital é para ele, a idolatria (14:1-8), que ele vê praticada sobre toda a colina, sob as árvores (6:3.6.13; 16:16; 20:28.29) e até no templo de Jerusalém (cap. 8). Encontra seus sinais na entrada do pórtico interior (vv. 3-6), no adro (vv.7-13), no santuário de Senhor (vv. 14.15) entre o vestíbulo e o altar (v. 16). O pecado de Israel é também a imoralidade cotidiana; Ezequiel a descreve inspirando-se nos formulários de confissão dos pecados, em uso nos santuários (18:5-9; 22:3-12.23-30)
            Ezequiel diz e repete que esse pecado é um horror, uma abominação (5:9-11; 6:9; 16:22-52); é um gesto de infidelidade, um adultério, um ato de prostituição. O profeta desenvolva este tema na alegoria da menina encontrada, adotada e depois desposada, que finalmente se transforma em “prostitua despótica” (16:30); ele o retoma depois na história das duas irmãs, Oholá (Samaria) e Oholibá (Jerusalém), esposa infiéis que se entregaram a uma insolente prostituição (Cap. 23)
            O profeta finalmente chega a descobrir a raiz da impudica infidelidade, à qual Jerusalém se abandona no orgulho. O pecado dos pagãos de Sodoma (16:49-50), do rei de Tiro (28:2.5.17), do Egito (30:6.18) e de seus faraós (32:12; 35:13) é também o pecado de Israel (7:20.24; 33:28), esposa envaidecida com sua beleza (16:15.56); é também o pecado do príncipe (21:30-31).
            Porventura, Jerusalém não tem uma origem pagã, ela que descende de pai emorita e de mãe hitita? (16:3.45) Sua corrupção, que se manifesta ao longo de toda a sua história (cap.20), é congênita (cap.16), e a permanência prolongada de Israel-Jacó no Egito – onde Deus com a mão erguida, jurou, e disse: Eu sou o Senhor vosso Deus (20:5) – devia ter as mais funestas conseqüências: ele daria a Israel essa paixão pelos ídolos  à qual depois ninguém saberia renunciar (Cap. 20).
            É em meio a esse povo que Ezequiel é estabelecido profeta, com a missão de proclamar a palavra de Deus. Ainda que esta palavra penetre nele como um alimento e o encha de doçura (3:2.3), o filho de Buzi deve esperar encontrar em seu caminho sofrimentos e espinhos toda vez que ele clamar: Assim fala o Senhor Deus (3:11); mas não deve desistir, pois o essencial é, no fim das contas, que os deportados, por mais rebeldes que sejam, saibam que há um profeta no meio deles (2:5).
            Ezequiel será uma “sentinela a serviço de Israel”. Deverá dizer ao perverso: “vais morrer”, a fim de que o mal abandone a sua má conduta e viva; deverá admoestar o justo para que não peque, a fim de permanecer em vida (3:16-21); pois, ao contrário do adágio que se costuma repetir em Israel, ele afirma: Quem pecar, esse morrerá; o filho não arcará com a iniqüidade do pai, nem o pai com a iniqüidade do filho (18:4-20).
            Todavia, se Ezequiel deixar de admoestar o malvado, terá de prestar contas do sangue do mau que houver perecido por falta de admoestação oportuna (3:18). Esta hipótese não é gratuita: nessa época, não faltavam pretensos profetas, que seguiam sua própria inspiração sem jamais ter tido visão. São semelhantes a pedreiros que se contentam com rebocar um muro rachado, com risco de deixar ruir todo o conjunto. Tais são os profetas que publicam uma mensagem de paz sem se preocupar em curar o pecado (Cap. 13).
            A queda de Jerusalém: O pecado não pode deixar de conduzir o povo a um julgamento inelutável; o profeta vê sua realização bem próxima e se obstina a anunciá-lo incansavelmente, por palavras (Caps. 7:9-11) e atos (Caps. 4-5). Até aquela triste manhã, em que alguém se apresenta para lhe declarar a desgraça que aconteceu: Jerusalém foi tomada, destruída, incendiada; os sobreviventes partem para o exílio.
            Foi este o segundo acontecimento capital na vida de Ezequiel. Instigado a não deixar transparecer seu pesar (24:15-27), deve ter sentido uma dor pelo menos igual à de seus companheiros de deportação. Com efeito, o sofrimento e o desespero deles foram tais que chegaram a dizer: estão sobre nós as nossas revoltas e os nossos pecados, e apodrecemos por causa deles! Como poderemos viver? (33:10) ou ainda: os nossos ossos estão ressequidos, pereceu a nossa esperança, estamos esfacelados (37:11).
            Então Ezequiel reagiu; pôs-se a anunciar o castigo para as nações cujos sarcasmos intensificaram a dor dos vencidos. Israel não será o único a sofrer o julgamento. Sem dúvida, o profeta outrora entreviu que povos de fala impenetrável e de língua enrolada (3:6) o teriam escutado melhor do que a casa de Israel; contudo, esses povos agora são convocados ao tribunal de Deus (Caps. 25-32). O Egito é o principal acusado (Caps. 29-32), ele que provocou a traição de Sedacias (17:15), infiel às suas alianças (17:19). Tiro deve comparecer por ter tido intenções injuriosas contra Jerusalém, oprimida pelos exércitos inimigos (26:2), e também depois os países vizinhos da Palestina: Amon, Moab, Edom e os filisteus, todos culpáveis de comportamento odioso com relação ao povo aniquilado (Cap. 25).
            Mas eis que o profeta, arauto trágico, reduzido até aqui ao anúncio de uma desgraça inelutável, transforma-se em pregador de salvação. Já os seus oráculos anteriores não haviam excluído todo motivo de conforto. O tema do “resto” aparece em algumas passagens; sua evocação é rápida, tão rápida, aliás, que se pode ver aí o resultado de algum acréscimo secundário; assim (Cap. 5:1-2) são explicados nos vv. 12 e 13, ao passo que (Cap. 5:3-4), que, ademais, comprometem a lógica do cálculo profético, não recebem nenhum comentário. Contudo, o tema é claramente atestado no (Cap. 9); aí vem à tona a execução dos habitantes de Jerusalém, precedida por um gesto de seleção que põe à parte os homens que gemem e se lamentam por causa de todas as abominações que se cometem em Jerusalém (9:4).
            Haverá, portanto um “resto” (6:8-10; 9:4-8; 11:13; 12:16; 14:22.23), mas tão irrisório, tão frágil (11:13), reduzido talvez aos cadáveres amontoados em Jerusalém (11:7), que sua evocação não pode impedir os exilados de perder sua débil esperança. Então o profeta, sentinela atenta, se posta na brecha. Os mortos viverão, proclama o profeta; e aí temos o maravilhoso afresco dos ossos ressequidos e revigorados (37:1-14): por mais diminuído e aniquilado que esteja Israel, ainda que fosse semelhante a um amontoado de ossos abandonado pela vida, o Senhor saberá fazê-lo reviver ao sopro impetuoso do seu Espírito.
            Um povo que volta à vida, mas a uma vida totalmente diferente da anterior, tal será o Israel resgatado do exílio. Porque, diz o Senhor: Eu vos tomarei de entre as nações, vos reunirei de todas as terras e vos levarei ao vosso solo. Farei sobre vós uma aspersão de água pura e ficareis puros: Eu vos purificarei de todas as vossas impurezas e de todos os vossos ídolos. Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo; tirarei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Infundirei em vós o meu Espírito e vos farei caminhar segundo as minhas leis, guardar e praticar os meus costumes. Habitareis a terra que dei a vossos pais; sereis para mim um povo, e eu serei para vós Deus (36:24-28).
            Essa vida ideal se realizará num reino reunificado (37:15-28), onde o povo não será mais entregue às prevaricações dos chefes indignos (34:1-10); ele será guiado pelo cajado do Senhor, tornando-se ele mesmo o pastor de seu povo (34:11-16); quanto ao descendente de Davi, ele será simplesmente um príncipe no meio deles (34:24).

ANÁLISE DE ALGUNS TEXTOS
            Capítulo 1: “A visão da Glória”.
            A indicação fornecida pelo v.2, que se refere ao quinto ano do rei Joaquim, torna esse dado cronológico incompreensível. Muitas soluções foram tentadas, mas nenhuma delas conseguiu impor-se. O número 30 poderia ser o resultado de alguma corruptela textual; de todo modo, é provável que a data do acontecimento tenha sido modificada para que o livro começasse solenemente por esta majestosa visão, que apresenta uma espécie de síntese  imaginosa do ensinamento de Ezequiel.
            Quanto ao local “às margens do rio Kebar” deve-se tratar do canal lateral ao Eufrates, que vai de Babilônia a Warka.
            Nas outras visões da Glória, é o templo, essa casa terrestre, que serve de quadro para o encontro do Senhor. Agora é no céu que a visão aparece a Ezequiel, visto que ele se encontra em terra babilônica. Essas indicações topográficas dão todo o sentido da mensagem ezequeliana; longe do santuário de Jerusalém, os deportados não estão a despeito do que se pensa (11:15), longe do Senhor; porque do alto do seu palácio celeste ele reina sobre toda a terra; portanto, está próximo de seu povo disperso entre as nações.
            Essas visões divinas já presente em Jeremias, onde é dotada de proporções modestas e sempre explicada pela palavra (Jr:1:11-15 etc.), a visão adquire em Ezequiel dimensões grandiosas (Ex: 37:1-14), a ponto de eliminar progressivamente o comentário oral (47:1-12). Mais vasta, mais complexa, dando maior espaço às sugestões imprecisas, mas muito mais ricas – da imaginação e do coração, a visão reflete melhor do que a palavra a sublime transcendência do mistério que Deus deixa apenas entrever e que permanece radicalmente inefável.
            Esta descrição dos seres vivos no (v.5) – expressão bíblica para animais – é influenciada pelas imagens murais, pelos motivos decorativos, pelas esculturas que o profeta pôde ver, seja na Palestina (como os marfins representando animais fantásticos, com corpo de leão, cabeça de cordeiro ou de homem, asas de águia, encontrados na costa mediterrânea), seja, sobretudo em terra de exílio. A descoberta, na Mesopotâmia, de estátuas de personagens divinas dotadas de quatro rostos torna menos surpreendente à visão de Ezequiel.
            No (v.10), Ezequiel viu na terra de sua deportação, diante dos templos, estátuas de animais – leões, touros, garantindo-lhes a guarda e mostrando sua dignidade.  É esse mesmo bestiário símbolo mítico de todas as forças do universo, que ele se apraz em entrever em torno do Senhor, proclamando a sua sublime grandeza.
             (v.12) Ezequiel diz aqui, como no (v.20), “o espírito”; em outro lugar (2:2), ele diz um espírito; não é certo que ele queria sublinhar matizes diferentes com formulações variadas.
            No (v.15) Ezequiel diz que viu ao lado dos seres vivos uma roda, descrição semelhante a (10:9-13). Existem nos santuários antigos carroças utilizadas para diversos fins: transporte das vítimas, lavagem das oferendas, etc. Um deles, encontrado em Chipre, comporta um chassi, montado sobre quatro rodas, em superestruturas feitas com um quadro decorado com animais fantásticos. O estranho carro esboçado por Ezequiel tem analogias com esse objeto.
            (v.28) Com seus predecessores, Ezequiel designa por Glória o Ser Divino enquanto se revela; é a manifestação do poder, da santidade (cf. 28:22, onde os dois temas são postos em paralelo) de Deus, perceptíveis através dos sinais: fenômenos cósmicos (tormenta 1:4), desenrolar histórico (28:22), símbolos litúrgicos (8-11; 43; 44). Contudo a representação ezequielana apresenta certas particularidades: a Glória tornou-se imediatamente visível, pelo menos aos olhos do profeta, numa explosão de luz; além disso, ela tem uma aparência bastante semelhante á forma humana; por fim, aparece como realidade autônoma, quase hipostasiada: sai do templo, se posta acima da colina próxima, retorna ao santuário. Por outro lado, Ezequiel busca suavizar a novidade e a audácia de tais expressões por fórmulas de aproximação: “a semelhança de” etc. Mas ele busca aproximar os dados dificilmente conciliáveis que são: o sentido da transcendência e a afirmação da proximidade de Deus; a convicção da presença divina no santuário e a certeza de que a Glória não pode ser atingida pela iminente ruína da Jerusalém infiel.

            Capítulo 37: “a visão das ossadas”.
                  O capítulo 37 de Ezequiel é introduzido com a afirmação de que "a mão de Javé pousou sobre mim e o espírito de Javé me levou e me deixou num vale cheio de ossos". 
            A fórmula "a mão de Javé pousou sobre mim" aparece sete vezes em Ezequiel e sempre serve para introduzir um novo oráculo ou novo capítulo.
            Este texto é um dos mais célebres de Ezequiel, respondendo aos problemas e situação do povo, num tom de esperança e consolação. É muito rico no que se refere ao sopro, ao espírito = rûah. É o sopro de vida, o hálito, é ele quem faz viver os ossos secos. Além disso, a profecia diz que ele "vem dos quatro ventos", ou seja, o sopro deve vir de toda parte. É o espírito que age no profeta para inaugurar a ação e a palavra profética, e nos israelitas para instalá-los em seu país.
            Esse vale do v.1 trata-se provavelmente do vale onde o profeta teve uma visão (cf. 3:22).
            No v.2 Deus faz o profeta circular no meio de ossos ressequidos, essas ossadas acumuladas no solo do vale são um sinal de desgraça particular, porque, no pensamento hebraico, era preciso ser enterrado com os pais no túmulo da família. (Isaac, Gn-35:29) (Jacó, Gn50:5) etc.
            No v.5 nos originais estão assim: “Farei vir sobre vós um sopro para que vivais”. Ou seja, a respiração. Pode-se também traduzir sopro por espírito; mas aqui, ao contrário de (36:26-27), a visão está mais centrada na idéia da vida que na do dom do Espírito.
            O v.11 nos mostra os israelitas exilados, abatidos, cuja esperança está morta, estando eles mesmos de certa forma mortos, Ezequiel anuncia a vida. No próprio seio do desespero e da morte, o Espírito de Deus, cuja palavra profética vai suscitar a vida, fará jorrar um reinício cujo anúncio deva devolver a esperança aos deportados (cf. Is-40:1-2; 54:7; Ez-28:25). Os israelitas andavam dizendo: 'Nossos ossos estão secos e nossa esperança se foi. Para nós tudo acabou'. “Pois bem, profetize e diga: ‘Vou abrir seus túmulos, tirar vocês de seus túmulos, povo meu, e vou levá-los para a terra de Israel.”
            Os ossos são o povo de Israel que lamenta: “os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita, está tudo acabado”.
                   O futuro para Israel só pode ser entendido pela categoria de vida a partir da morte. A visão dos ossos ressequidos expressa a promessa incondicional de Deus para o futuro.
            O v.16a O profeta fala sobre a divisão do reino de Salomão em dois, (cf. 1Rs-12).
            No v.16b José, pai de Efraim (Gn-51:52), representa como seu filho as tribos do reino separado do norte, ao passo que Judá representa o reino hierosolimitano. Ezequiel anuncia o fim da separação em dois grupos opostos de tribos (cf. Is-11:13; Jr-3:18).
            Esse relato do v.23 em antigas versões dizem: “Eu os livrarei de todas as suas apostasias ou de todas as suas abominações”.
            O v.24 nos mostra um pastor único como em (34:23). Da mesma forma que Israel tem um só Deus, assim haverá um único pastor (cf. Jr-23:4-5; Jo-10:16), porque ele se terá tornado um só povo (cf. 1Rs-12:20-33; Ez-37:15-28).
            No v.27b diz: “Eu os estabelecerei”. Está tradução é incerta. O texto parece mal transmitido. O aramaico diz: “eu os abençoarei”; mas a palavra está ausente no grago e no siríaco.
            Quanto ao santuário do v.24 Ezequiel pensa no povo do templo (caps. 40-44) que está no centro do país.

PERSPECTIVAS FINAIS
            No fim de sua carreira profética, Ezequiel se aplica a mostrar o caminho do Israel renovado. Inicialmente ele vê o povo conseguir, no fim dos anos (38:8), a vitória que o livra de todos os seus inimigos. O povo os enfrentou num combate colossal, reencontrando todos os seus adversários de todos os tempos, por trás da face belicosa de seu campeão, Gog, da terra de Magog, grande príncipe de Méshek e de Tubal. Ele os enfrenta e a todos destrói; com seus armamentos terrificantes ele faz um fogo de alegria; abandona inúmeros mortos deles à rapacidade dos abutres e ao cuidado dos coveiros, por sete meses interminavelmente ocupados em enterrar os corpos dos vencidos (caps. 38 e 39).
            Por fim, Ezequiel imagina Israel vitorioso já instalado numa palestina também renovada. Vê a terra matematicamente partilhada em zonas que limitam as fronteiras com absoluto rigor (cap. 47:48); ele a vê banhada com a água maravilhosa, que jorra do templo (Cap. 47). Será o lugar privilegiado onde, conforme todas as suas regras (Caps. 40 e 46) se desenvolverão os cultos que celebram a Glória do Senhor que voltou ao santuário (43:1-12). Pois, de agora em diante, o templo será o centro da vida do povo, o coração de um mistério que o profeta faz entrever em uma só expressão: “O Senhor está aí” (48:35).



  



[1] O autor é bacharelando em teologia pelo (ICEC) Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, convalidado pela faculdade Unida além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo Ide Missões.

Teologia da Libertação





TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

            A teologia da libertação é uma reflexão teológica que nasceu da influência de três frentes de pensamento: O evangelho social das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo missionário e teólogo presbiteriano Richard Shaull; a teologia da esperança, do teólogo reformado Jürgem Moltmann; e a teologia política que tinha como seus grandes expoentes o teólogo católico Johann Baptist Metz, na Europa, e o teólogo batista Harvey Cox, nos EUA. Assim, para que você compreenda melhor, vai uma série de eventos que precederam o nascimento da teologia da libertação:- 1952: O missionário presbiteriano Richard Shaull chega ao Brasil trazendo o evangelho social e cria uma estreita relação com os pastores presbiterianos Rubem Alves e Jaime Wright; - 1964: O teólogo reformado Jürgen Moltmann publica sua obra Teologia da Esperança; - 1965: O teólogo batista Harvey Cox publica A Cidade Secular; - 1967: O teólogo católico Johann Baptist Metz pronuncia a conferência sobre a Teologia do Mundo; O marco do nascedouro da teologia da libertação está na publicação da obra  teologia  da esperança Humana, de Rubem Alves, que tinha o título de Teologia da Libertação, criticando a teologia metafísica de uma forma geral e propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.
            A primeira participação católica no lançamento da teologia da libertação foi à publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil Joseph Comblin. Somente em 1972, Leonardo Bof surge no cenário teológico com a publicação Jesus Cristo Libertador. Como Rubem Alves estava asilado  nos EUA neste período, Bof passou a ser o mais conhecido representante desta corrente teológica que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia.
            A teologia da libertação é uma escola importante e controversa na teologia da igreja católica desenvolvida depois do concílio vaticano II. Ela dá grande ênfase à situação social humana. O teólogo peruano Gustavo Gutierrez é um dos mais influentes proponentes desse movimento. Também o teólogo americano Cornell West e o brasileiro Leonardo Bof se destacam. O movimento foi forte durante as décadas de 60 e 70, quando se espalhou de forma especial na América Latina e entre os franciscanos, sendo uma das orientações para o movimento das comunidades eclesiais de base (CEBs). Sua influência tem diminuído desde que partes importantes de seu ensinamento fora rejeitados pelo vaticano, e a partir do crescimento do movimento da renovação carismática. Integrantes do movimento afirmam que este sempre foi baseado em idéias de amor e libertação de todas as formas de opressão (especialmente opressão econômica). Também afirmam que ele teria uma forte base nas escrituras sacras. Por outro lado, alguns aspectos da teologia da libertação têm sido fortemente criticados pela santa fé e por várias igrejas protestantes (embora a igreja luterana a tenha adotado), como por exemplo, o fato dos adeptos da teologia da libertação assumir o papel político da igreja e pela utilização do marxismo como base ideológica do movimento.
            O papa João Paulo II solicitou à congregação para a doutrina da fé dois estudos sobre a teologia da libertação. Eles foram colocados em documentos em 1984 e 1986 com os nomes de Libertatis Nuntius e Libertatis Conscientia. Neles se considera, em resumo, que, apesar da importância do compromisso radical que a igreja católica assume com os pobres, a disposição da teologia da libertação em aceitar postulados de origem marxista  ou de outras ideologias políticas não eram compatíveis com a doutrina, especialmente ao afirmar que “só seria possível alcançar a redenção cristã com um compromisso político”. Alguns afirmam que o que ocorreu não foi uma crítica ou repressão ao movimento em si, mas sim correção de certos exageros de alguns de seus representantes (como sacerdotes mais tendentes à política, ou mesmo ao gnosticismo).
            Outros afirmam que houve uma deliberada sanção à igreja latino americana na repressão à sua forma mais pungente de ação e critica social. Com a ascensão do pensamento tradicionalista na igreja romana, a teologia da libertação foi paulatinamente sendo excluída da igreja oficial, mantendo-se ainda viva nos movimentos sociais existentes dentro da igreja, especialmente aqueles comprometidos com uma análise crítica da realidade. Por outro lado, a força de suas idéias difundiu-se pelo clero e grande parte dos sacerdotes latino-americanos hoje está ligada em maior ou menor grau aos ideais da libertação dessa escola teológica. A teologia da libertação é analisada de três formas, os três P’s: Profissional, pelos teólogos; pastoral, nas igrejas e CEBs (comunidades eclesiais de Base); Popular, pelo povo oprimido no dia a dia.      

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A DIGNIDADE HUMANA E A GLÓRIA DE DEUS







Texto escrito pelo meu professor de teologia bíblica Eliel Batista, no final colocarei o link do seu blog. Grande cara e dono de um coração maior ainda.

A DIGNIDADE HUMANA E A GLÓRIA DE DEUS


1- Justificativa

Algumas pessoas me abordaram com perguntas sobre uma "tal teologia moderna" que, ou "estaria ameaçando a igreja" ou eu "adotara" e, estaria me desviando.
Percebo em quase a totalidade das vezes, pouca informação ou uma confiança maior no invariavelmente distorcido "ouvi dizer".
O mais chocante para mim é, depois de um bom papo e os devidos esclarecimentos sobre os fatos, ver a expressão facial dos inquisidores revelando decepção ou desconfiança ao constatarem que eu não me desviei.
É verdade que há aqueles que se revoltam ao saberem que deram crédito a boatos impensados e porque não, até mesmo maldosos.

Considero necessário colocar que sou apaixonado pela Bíblia, amo a Cristo e desejo mais que tudo que Ele seja conhecido por todos.
Dado o "frenesi" é importante abordar alguns aspectos daquilo que tem gerado inúmeros rótulos, tais como, "teologia humanista", "teologia antropocêntrica" ou no mais popular uma teologia para agradar homens.

Comecemos encarando o fato do dogmatismo doutrinário servir como um instrumento de dominação.
Qualquer poder para se manter sufoca as propostas que o ameace e para isto os rótulos são excelentes ferramentas.
Para levar a cabo a dominação, quase sempre aquilo que foi rotulado não necessariamente corresponde ao rótulo dado.

O devoto ao se abrir para além do dogmatismo, corre um sério risco de compreender que dentre as coisas que o aprisionam, a mais apertada algema é o arcabouço doutrinário homologado como única verdade para que ele seja reconhecido pelo dogmáticos como um cristão.

Às vezes, uma expressão que em si mesma não é boa nem má, passa a ser pejorativamente acusada de maléfica; rotulada de antideus.
Na verdade, se o poder instituído apresentar algo como muito maléfico, tem grandes chances deste mal ser altamente destruidor, não da fé, mas do sistema que homologa o poder.
O fiel se vendo livre do dogmatismo doutrinário não mais sustentará o poder, que ruirá.
Sim, a verdade liberta.
Quando o fiel tem acesso à ela liberta-se de todo o poder dominante e este é o veneno. Não contra o crente, mas contra os dominadores.

Pensar não é pecado. Buscar e conhecer a verdade é libertador. Conhecer novas coisas só é danoso para a ignorância. Aqueles que se sentem donos da verdade consideram pensar como um pecado, quando aquilo que dominam é ameaçado.

2- Interpretações.

Uma mãe cuidadosa e dedicada, segura o bebê até que durma. Coloca-o delicadamente no berço, apaga a luz, fecha a porta silenciosamente e se retira do quarto satisfeita, pois o filho está alimentado, protegido e descansando.
O bebê por sua vez acorda, abre os olhos e constata estar sozinho, abandonado no escuro, sujo e com fome.
Talvez pensasse: que mãe é esta que engana um filho tão frágil? É só dormir e ela me abandona por completo, eu tão dependente e indefeso?

Se ao interpretar os fatos da vida ocorrem variáveis, não pensemos que teologizar esteja isento de uma pluralidade de percepções.
Sujeito e objeto de conhecimento se imbricam numa interação em que, o sujeito tem influência naquilo que deverá ser conhecido dando nuanças diversificadas à conclusão.

3- A questão em si.

A Teologia, como a maioria das pessoas conhece, parte do pressuposto de que o
ser humano tem garantido sob seus pés a danação eterna. A partir desta base se
fala sobre o amor de Deus.
A saga humana tem sua centralidade e o desenrolar de
sua história a partir da Queda - do pecado.

A partir da teoria da Queda, isto mesmo, TEORIA (queda não está na Bíblia), assimilamos uma ideia de que desde então não prestamos.
Isto porque um sujeito chamado Adão, em idos tempos, comeu um fruto proibido e ocasionou uma "mudança" no conceito que Deus tinha a nosso respeito.
Deus teria nos criado e viu que era bom, mas com a desobediência teria se arrependido ou dependendo da linha teológica, a partir daquele ato não teria mais nenhum compromisso em defender o humano, e teria por justiça o dever de destrui-lo.
A partir deste evento, Deus, a priori, nos recusa ou tem sérias resistências conosco.

Nos esquecemos, no entanto, que dizer "não prestamos", não é uma afirmação de Deus a nosso respeito, mas trata-se de uma teoria que dizemos Deus ter a respeito de nós a partir de uma interpretação.

Esta teoria teria sido uma interpretação a partir de qual ângulo?
Da mãe que põe o bebê para dormir, ou do bebê que acorda no meio da noite?

Há apenas uma maneira de ler a Bíblia?
Esta que parte do pensamento de Deus não nos querer bem, como um fato verdadeiro?
Ou como alguns entendem: "O texto comprova que Deus não precisa nos querer bem e tem o direito de nos desejar o mal".

Para Deus ser bom, ou sua bondade ser demonstrada é necessário que o homem seja mal?
Jesus não oferece a possibilidade de entender o propósito de Deus de outra forma?

Fomos tão doutrinados com esta teoria que ela se tornou uma verdade pétrea.

O racionalismo deu ao conhecimento racional o status de verdade absoluta e com tal intensidade que ele já foi tratado como uma pedra basilar - a pedra do conhecimento.
Se alguém quisesse construir um edifício verdadeiro, deveria fazê-lo sobre o conhecimento racional. Assimilado pela teologia, ao se descobrir um raciocínio lógico na Bíblia, ele deveria, e ainda deve para muitos, permanecer inalterável.

Para o cristão, se há uma pedra na qual deve-se construir uma casa, esta não é o racionalismo. Está mais para uma pessoa, Jesus - "a pedra que os construtores rejeitaram".

Um teólogo na antiguidade teria "descoberto" que a razão do sofrimento humano teria sido sua desobediência a Deus e a consequente mudança da percepção divina sobre o ser humano.
Se para ser uma verdade verdadeira precisa ser um "pedra imutável", não se pode mudar ou pensar diferente.

Estamos tão envolvidos e amalgamados com esta teoria, que qualquer Teologia que ouse contradizê-la afirmando o ser humano como querido, amado e bem visto por Deus, isto desde sempre, é chamada de "modernismo", "desvio da verdade cristã", "humanismo" com um sentido pejorativo que se oporia à glória de Deus, e também como uma "teologia de glorificação ou deificação do homem".
"O homem querendo ser Deus", afirmam.

É como se ao defender a dignidade humana tirasse a glória e dignidade de Deus.
Mas afinal, o homem não é a glória de Deus como nos informou Paulo?

Concluo então, com pelo menos dois motivos do porque se recusa qualquer interpretação diferente da "oficial":

O dogmatismo mantém poder.
O critério de verdade que sustenta o dogmatismo.


Há quem revise a teologia e parta do pressuposto de que Deus ama o homem a
ponto de criá-lo e garante este amor tornando-se igual a ele.
A saga humana tem
sua centralidade em Cristo e a história se desenrola por meio do amor de Deus.

Nenhum cristão deveria pensar que a glória de Deus é rejeitar o humano ou que o ser humano ser querido por Deus é antiDeus.
A bandeira mais levantada por todo e qualquer evangelista sempre foi João 3:16 "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho...".

Ser um humano é tão precioso que a Teologia cristã afirma que Deus se fez homem.
Ele deixou sua própria glória para assumir sua identidade divina como humano. Não há nenhum outro meio de conhecer Deus que não seja na forma humana.
Mesmo que afirmar isto seja uma "deificação do homem", uma "antropocentrização" ou um "humanismo", o cristão deve defender, aceitar e admitir a ideia porque se é o que está revelado em Cristo faz parte da fé cristã.

Teologia deve glorificar a Deus.

Isto é verdade, mas devemos nos lembrar que Deus não é glorificado como normalmente entendemos como se glorifica alguém, como por exemplo colocando-a no pódium, ou sentando-a em um trono para ser ovacionado.
Na tentativa de glorificar a Deus, por vezes a Teologia o prende num "soberanismo", e cria resistência à possibilidade de Deus ser glorificado como o servo que lava os pés de seus amigos, ou o maldito pendurado numa cruz?
Jesus disse que seria glorificado no amor e não no poder.
Jesus disse que "não aceitava a glória que vinha dos homens" e noutra feita disse que "aquilo que é exaltado entre os homens é abominação para Deus" e ainda que "no Reino dele o exaltado é o menor".

Entendamos que no Reino de Deus ser exaltado não significa ser transformado no maior, mas permanecer menor, pois no momento em que o menor se transformar no maior deixa de ser o exaltado do Reino.
A glória, segundo Jesus, não está no maior, no mais forte, no aplaudido.

Deus é glorificado na sua vontade, e sua vontade eterna não foi ficar sentado no trono e rodeado de brados, mas inserido na humanidade, que Paulo nos diz ter sido o "eterno propósito de Deus estabelecido em Cristo".
Aferimos, portanto, Deus glorificado no fato de ser reconhecido humanamente - "o Pai é glorificado no Filho".
Manter Deus no trono é recusar Deus entre nós como fizeram aqueles que promoveram sua crucificação. Eles consideraram impossível Deus ser parecido com Jesus.
Ele está para sempre conosco.

A Teologia que reconhece a dignidade humana, não é antideus, é cristã, exceto se ser cristão significar ser antideus como disseram os fariseus nos dias de Jesus.

Espero que na mente dos cristãos os rótulos não ganhem o status definidor de verdade ou mentira. De sã doutrina ou heresia. Antes, independente do rótulo ser bonito ou feio, oficial ou proscrito, se for uma verdade do evangelho de Cristo, seja acolhido por cada cristão.

3- E eu neste meio?

Já deve ter dado para perceber minhas tendências!
Confesso, não sou adepto do dogmatismo, preso às repetições de conteúdos teológicos elaborados em um mundo diferente deste que vivo. Não acredito em conhecimento pétreo, imutável e definitivo.
Esta posição demonstra que minha teologia tende a ser tachada pelos mais conservadores às vezes de liberal, outras de moderna.

Reconheço um conservador também como cristão, mas o fato de não ser conservador, não me exclui do cristianismo e isto eu gostaria, e como gostaria, que fosse respeitado.
Mas sei que é difícil, até porque se um conservador reconhece um não-conservador como cristão estaria abrindo mão de seu conservadorismo.

Mas afirmo que minha teologia não é moderna.
Pelo contrário, critico muito às elaborações modernas da Teologia, principalmente quando as confronto com as antigas e com a realidade do mundo atual.


Admito que minha teologia tenta se exprimir de forma mais atual, mas sei que, ainda assim, nem tanto.

Eliel Batista
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