Por
Mario Marcos
INTRODUÇÃO
Queremos através deste trabalho, apresentar uma exegese
de (At-9:1-31), onde o autor conta a notável história da conversão de Saulo de
Tarso, que se tornou o apóstolo dos gentios. Este é um incidente importante na
história Lucana, pois irá contar como Saulo, que será o herói, da segunda parte
dos Atos, tem um encontro com Cristo ressuscitado e passa de perseguidor a perseguido.
Antes que os cristãos levem o testemunho aos gentios, Lucas deve incorporar
este herói à comunidade cristã. Este trabalho pretende ser uma interpretação
bíblica sobre a conversão de Saulo, para tais propósitos irei utilizar
ferramentas exegéticas, elas nos ajudam a conhecer o texto na sua forma e
conteúdo. Abordarei os seguintes itens: tradução do texto, data, lugar,
autoria, gênero literário, forma, estrutura interna, e finalmente assunto de
interpretação. Além do mais fornecerei uma conclusão que possa ter relevância
em nossa atualidade.
PERÍCOPE
Esta perícope
fica delimitada a partir de (At-9:1-31), pois a perícope anterior que nos conta
a história de Filipe e o eunuco etíope, termina em (8:40), e na posterior nos
fala de Pedro viajando por toda parte e indo visitar os santos que viviam em
Lida (9:32). A perícope da conversão
de Saulo divide-se em três partes, a saber: sua vocação, sua pregação em
Damasco e sua chegada em Jerusalém. Neste trabalho não iremos analisar a
perícope como um todo, pois temos um alvo específico, ficaremos focados apenas
na conversão de Saulo e tentar fazer uma ponte com (2 Co-12:1-10) buscando
elementos que liguem estes dois relatos, e fazer uma análise comparativa sobre
os três relatos da conversão de Saulo, (9:1-31) (22:4-21) e (26:9-18).
[1]TEXTO
1 Saulo,
que respirava contínuas ameaças e morticínios contra os discípulos do Senhor,
foi 2 pedir ao sumo sacerdote cartas
para as sinagogas de Damasco. Se
encontrasse lá adeptos do caminho, homens ou mulheres, ele os traria presos a
Jerusalém.
3
Seguindo o seu caminho, ele se aproximava de Damasco, quando, de repente, uma
luz vinda do céu o envolveu com o seu brilho. 4 Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saul, Saul, por
que me persegues?” 5 “Quem és tu,
Senhor?” perguntou ele. “Eu sou Jesus, è a mim que persegues. 6 Mas levanta-te, entra na cidade e
ser-te-á dito o que deves fazer”. 7 Os
seus companheiros de viagem tinham parado, mudos de espanto: eles ouviram a
voz, mas não viram ninguém. 8 Saulo
se levantou do chão, mas embora tivesse os olhos abertos, não enxergava mais
nada, e foi conduzindo-o pela mão que ao seus companheiros o fizeram entrar em
Damasco, 9onde permaneceu privado da
vista durante três dias, sem comer, nem beber.
10 Havia
em Damasco, um discípulo chamado Ananias; o Senhor o chamou em uma visão:
“Ananias!” “Eis-me aqui, Senhor”, respondeu ele. 11 O Senhor acrescentou: “Vai à rua chamada ‘rua Direita’
e, na casa de Judas, perguntarás por alguém chamado Saulo de Tarso; ele está lá rezando, 12 e acaba de ver um homem chamado Ananias entrar e lhe impor as
mãos para restituir-lhe a vista”.
13
Ananias respondeu: “Senhor, eu ouvi muita gente falar deste homem, e contar
todo o mal que ele fez aos teus santos em Jerusalém. 14 e, aqui, ele dispõe de plenos poderes recebidos dos sumos
sacerdotes para aprisionar todos os que invocam o teu nome”. 15 Mas o Senhor lhe disse: “Vai, pois
este homem é um instrumento por mim escolhido para dar testemunho do meu Nome
perante as nações pagãs, os reis e os israelitas. 16 Eu mesmo lhe mostrarei quanto precisará sofrer por meu Nome”. 17 Ananias partiu, entrou na casa,
impôs-lhe as mãos e disse: “Saul meu irmão, é o Senhor que me envia – este
Jesus que te apareceu no caminho que seguias – afim de recuperes a vista e
fiques repleto de Espírito Santo”. 18 Imediatamente,
uma espécie de membranas lhe caíram dos olhos, ele recuperou a vista, e recebeu
então o batismo 19 e, depois de alimentar-se recuperou as forças. Ele passou uns
dias com os discípulos de Damasco, 20 e
não tardou em proclamar nas sinagogas que Jesus é o filho de Deus. 21 Todos os que o ouviam ficavam
estupefatos e diziam: “Não é ele que, em Jerusalém, perseguia os que invocavam
este nome? E não viera expressamente para os levar presos aos sumos
sacerdotes?” 22 Mas Saulo
manifestava-se cada vez mais claramente, e confundia os judeus que habitavam ES
Damasco, provando que Jesus era de fato o Messias.
23 Um
tempo bastante longo decorrera quando esses judeus se coligaram para fazê-lo
perecer. 24 Saulo então teve
conhecimento de sua trama. Eles chegavam a guardar as portas da cidade, dia e
noite, para poder matá-lo. 25 Mas,
uma noite, os seus discípulos tomaram-no e o desceram ao longo da muralha
dentro de um cesto.
26 Chegando
a Jerusalém, Saulo procurava agregar-se aos discípulos; mas todos tinham medo
dele, não conseguindo acreditar que fosse verdadeiramente discípulo.
27 Barnabé tomou-o então consigo, introduzindo-o junto
aos apóstolos, e lhes contou como, no caminho, ele vira o Senhor, que lhe
falara, e como, em Damasco, ele se tinha expressado com firmeza em nome de
Jesus. 28 A partir de então, Saulo
ia e vinha com eles, em Jerusalém exprimindo-se com firmeza em nome do Senhor.
Ele conversava com os helenistas e discutia com eles; eles porém procuravam matá-lo. 30 Quando os irmãos souberam disso, levaram-no para Cesaréia e, de
lá, fizeram-no partir Para Tarso.
31 A
igreja, em toda extensão da Judéia, da Galiléia e da Samaria, vivia então em
paz, ela se edificava e procedia no temor do Senhor, crescendo, graças ao apoio
do Espírito Santo.
TRADUÇÕES
USADAS
PARA
O DESENVOLVIMENTO
DO
TRABALHO
TEB.
(Tradução
Ecumênica da Bíblia)
NVI.
(Nova
versão internacional)
ARC.
(Almeida
revista e corrigida)
NTI.
(Novo
testamento interlinear)
UMA
PROPOSTA DE ESTRUTURA PARA A EXPANSÃO
DO
EVANGELHO EM ATOS 9:1-31
Para esta
proposta estaremos nos baseando em Atos 1:8. Ao analisarmos todo o contexto de
expansão do evangelho notamos que tal versículo é muito importante, pois são as
ultimas instruções de Jesus aos seus discípulos. Nos Atos, o Espírito Santo é o
verdadeiro iniciador da missão apostólica, como o era da mesma missão de Jesus.
O seu caráter de poder (força) manifesta-se em comportamentos humanos por vezes
insólitos: o falar em línguas (2:4), assimilado ao dom de profecia (2:17;
11:28; 20:23; 21:4-11). Mas esse poder não intervém de maneira anárquica:
comunicado a Jesus e derramado por ele (2:33), o Espírito Santo é recebido em
relação com o batismo em nome de Jesus (1:5) ele é dado principalmente visando
à pregação e ao testemunho (4:8-31; 5:32; 6:10); intervém diretamente na missão
entre os gentios agindo sobre o comportamento dos apóstolos.
O testemunho prestado a Cristo é antes de tudo testemunho
da sua ressurreição (1:22). Nos Atos as testemunhas são antes de tudo os Doze
(10:41), mas outros também são igualmente chamados testemunhas, em sentidos um
pouco diferentes.
De Jerusalém e dos judeus ao mundo inteiro e aos gentios,
tal deve ser o “espaço” do testemunho apostólico e tal é o plano dos Atos, que
estão visivelmente atentos a este espaço simultaneamente geográfico e humano em
que se difunde essa palavra. Em Lucas, a manifestação de Jesus, começada em
Nazaré, terminava em Jerusalém. Nos Atos, o evangelho parte de Jerusalém (2:5)
para atingir a Samaria e a Judéia (8:1); depois atinge a Fenícia, Chipre e a
Síria (11:19-22), de onde parte para a Ásia Menor e a Grécia (13:18), antes de
chegar a Roma (28:30). Assim o percurso da palavra “até as extremidades da
terra”, querido pelo ressuscitado Cristo (1:8) e prefigurado no dia de
pentecostes (2:10) entra na sua etapa decisiva. Se o evangelho é assim
anunciado por toda a parte, é por ser destinado a “todos os homens”: Primeiro a
Israel (2:39; 3:25-26) depois as nações pagãs. Determinada por Deus (2:39;
15:7-11) e por Jesus (22:21), esta mensagem do evangelho e da salvação aos
gentios é o tema principal do livro. A conversão de Cornélio (10:1), a evangelização
dos gregos de Antioquia (11:19), a missão de Barnabé e de Saulo (13:1) são as
primeiras etapas dessa abertura que,
posta em questão em Antioquia e em Jerusalém, é finalmente confirmada,
com isso Saulo pode empreender a grande missão que lhe permitirá, graças ao seu
cativeiro (21:33-38; 28:14), levar o evangelho, segundo a vocação que lhe é
peculiar, até Roma, capital do mundo pagão (28:31). Não obstante as incertezas
de detalhes, as grandes linhas do plano dos Atos aparecem claramente nessas
etapas simultaneamente geográficas e humanas que marcam a difusão da palavra de
Deus.
Esta estrutura não
é ainda a de Atos 9:1-31, que apresentaremos mais adiante. Essa proposta nos
ajudará a entender como Atos 1:8 é o eixo central dessa expansão e como Lucas
insere Saulo na história, para ser o pivô dessa expansão como veremos a seguir:
ESTRUTURA
INTERNA
At-1:8
A)
Más recebereis uma força, a força do Espírito Santo que virá sobre vós;
B)
E sereis então minhas testemunhas em Jerusalém;
C)
Em toda Judéia e Samaria;
D)
Até as extremidades da terra.
ESTRUTURA
EXTERNA
A)
PENTECOSTES, MAS RECEBEREIS UMA FORÇA (2:1-41)
° Sumário (v.1)
° Evento (v.2-4)
B)
TESTEMUNHAS EM JERUSALÉM (2:5-7:60)
° Primeiro impacto
(2:5-13)
° Discurso de
Pedro (2:14-39)
° Acréscimo de
cristãos e a comunhão deles (2:40-47)
° A cura de um
coxo (3:1-10)
° Estevão,
testemunho e martírio (6:8-7:60)
C)
TESTEMUNHAS NA JUDÉIA E SAMARIA (8:1-40)
° Perseguição e
dispersão (v.1-4)
° Trabalho
missionário de Filipe (v.5-13)
° Pedro e João
investigando os fatos (v:14-25)
° Filipe e o
eunuco Etíope (v.26-40)
D)
TESTEMUNHAS ATÉ AS EXTREMIDADES DA TERRA (9:1-28:31)
° A vocação de
Saulo, Lucas o introduz na história (9:1-31)
° O testemunho
atinge a Fenícia, Chipre e a Síria (11:19-22)
° Ásia Menor e
Grécia são alcançadas (13-14)
° Saulo e o
testemunho chegam a Roma (28:11-31).
Aqui explicaremos a estrutura acima, de como o relato
lucano em Atos gira em torno de 1:8 para mostra a expansão do evangelho,
através dos apóstolos e de como ele introduz Saulo em seu relato para a parte
final dessa expansão. É o Espírito quem constitui realmente o movimento de
Jesus: a sua primeira comunidade em Jerusalém e a missão a todos os povos. O
que Lucas narrou anteriormente, em 1:12-26 está orientado especialmente para o
passado: o retorno Jerusalém e o templo e a constituição dos doze apóstolos
(restauração do novo povo de Israel); agora Lucas retoma o inicio do seu relato
em 1:8, projetando o movimento de Jesus numa perspectiva de futuro e de missão a todos os povos da
terra.
A)
Más recebereis uma força: (2:1-41)
É o que Jesus promete antes da ascensão, e isso acontece
no dia de pentecostes, literalmente o da qüinquagésima essa festa era celebrada
cinqüenta dias após a páscoa, comemorava a aliança do Sinai entre Deus e Israel;
ele reunia em Jerusalém multidões de judeus vindos de numerosos países. Este
será o palco do dom inicial do Espírito por Jesus (2:33); esse dom vai se
manifestar por uma espécie de explosão de linguagem. Em Lucas a pregação de
Jesus começava em Nazaré (Lc-4:16-30); aqui a pregação apostólica (2:1-41)
parte de Jerusalém (cf. 1:8).
B)
Testemunhas em Jerusalém: (2:5-7:60)
Após o sopro violento, as línguas de fogo evocam uma
mesma fonte de poder que comunica o dom de falar em línguas novas e de proferir
uma linguagem nova.
O fenômeno que se produz evoca seguramente a
“glossolalia” ou “falar em línguas”: os apóstolos se exprimem um pouco à
maneira dos antigos profetas (cf. Nm-11:25-39; 1Sm-10:5-6; 1Rs-22:10) e, em
todo caso, como os cristãos empolgados pelo
Espírito nos primeiros
tempos da igreja (cf. 10:46; 19:6;1Co-12:14) eles falam em um estado de
exaltação característico (2:13), mas falar em outras línguas é fazer-se
entender na língua dos outros e tal é, para o autor, o aspecto mais importante
do acontecimento. Aqueles que receberam o dom da “glossolalia” começam então
testemunhar sobre as maravilhas de Deus perante a multidão reunida (2:7). Discursa
perante a multidão com ousadia (2:14-39). Pessoas se convertiam ao cristianismo
através do testemunho dos apóstolos em Jerusalém (2:40-47). João e Pedro curam
um coxo na porta do templo (3:1-10). Estevão cheio do Espírito Santo testemunha
e é apedrejado.
C)
Testemunhas na Judéia e Samaria: (8:1-40)
No dia do
martírio de Estevão, começou uma grande perseguição aos cristãos de Jerusalém;
no entanto todos foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria com exceção
dos apóstolos (8:1c). Lucas lembra como o Senhor ressurreto havia
ordenado aos seus seguidores que fossem testemunhas “em toda a Judéia e
Samaria” (1:8). Lucas dá a entender que a perseguição foi unicamente contra os
Helenistas, não contra os doze apóstolos, e é possível que também não tenha
sido contra o grupo dos hebreus. Um dos helenistas dispersados é Filipe. Seus
Atos estão narrados em (8:5-40) e em (21:8-9), onde se fala dele pela última
vez como evangelista e um dos sete. [2]Nesses
Atos de Filipe, há dois momentos contrapostos. O primeiro (8:5-22) fala-nos da
evangelização na Cidade de Samaria, onde Filipe faz sinais e milagres tendo
grande êxito. Contudo, esse primeiro momento missionário é insuficiente. Na
evangelização imponente e extraordinária de Filipe, ainda não havia Espírito
Santo. Ele chega somente com a visita de Pedro e João, de Jerusalém. No segundo
momento da evangelização de Filipe (8:26-40). Ele não vai ao norte, mas ao sul;
não vai a uma cidade, mas ao deserto; não vai evangelizar multidões; mas uma só
pessoa: o eunuco etíope. Filipe já não faz sinais e milagres, mas põe-se a
caminhar com o eunuco e a escutar o que ele está lendo.
D)
Testemunhas até as extremidades da terra:
Agora que
Estevão e Filipe deram suas contribuições pioneiras nos preparativos para a
missão mundial, Lucas está pronto para contar a história de Duas conversões
notáveis que a fizeram disparar. A primeira é a de Saulo de Tarso e a segunda,
a do centurião Cornélio, que foi o primeiro gentio a se tornar cristão. É
através de Saulo que Lucas vai contar como o evangelho chega “até as
extremidades da terra” (1:8)
LOCAL
E DATA
Segundo [3]Pablo
Richard o Livro dos Atos dos Apóstolos foi escrito entre os anos 80 e 90,
provavelmente em Éfeso. O Livro de Atos não é claramente atribuído a ninguém. Podemos observar
uma breve introdução no início do texto, mas sem saber quem o está escrevendo.
Nesta breve introdução, é possível notar claramente que o texto não está sendo
iniciado aqui, mas é a continuação de outro documento já escrito. Ou seja, Atos
não é um livro completo por si mesmo. Ao que tudo indica, Atos é a continuação
do terceiro evangelho, visto ser dirigido ao mesmo personagem (At.1.1-2;
Lc.1.1-3). Isso é um fato importantíssimo a ser ressaltado na busca pela autoria
do documento, pois se sabe ao certo que o mesmo autor é responsável por dois
documentos importantes. Contudo, um ponto relevante pode ser colocado aqui em relação a esse
link entre o terceiro evangelho e Atos, pois em nenhum dos documentos o
autor revela-se claramente. Ou seja, esse link existente entre um livro e
outro, nada mais prova senão que ambos os documentos tem o mesmo autor, mas
nada se acrescenta sobre quem ele de fato é. Sobre isso, [4]Carlos Osvaldo Pinto diz
que: “mesmo embora tenha permanecido
como obra anônima a evidência externa e interna aponta fortemente para Lucas
como seu autor”.
Na verdade ele escreveu dois livros.
O primeiro foi o seu evangelho, cuja autoria foi lhe atribuída por tradições
antigas e reconhecidas e que, quase com absoluta certeza, é o “primeiro livro”
mencionado no início de Atos. Assim, Atos foi o seu segundo livro. Os dois formam
um par óbvio, ambos são dedicados a Teófilo (Lc 1,3 e At 1,1), e tem o mesmo
estilo literário grego. Segundo Pablo Richard: Esse Teófilo pode ter sido uma pessoa concreta (era
normal dedicar uma obra a personagens ilustres) ou um nome simbólico para
designar seus interlocutores. Teófilo significa “amigo de Deus” e poderia
referir-se aos futuros catequistas e evangelizadores, aos quais, Lucas escreve
este tratado de ensinamento superior. (RICHARD: Pablo, pg. 17).
Para [5]John
stott o motivo pelo qual Lucas escreveu sua obra em dois volumes sobre a origem
do cristianismo pode-se citar pelo menos três respostas: Ele escreveu como um
historiador cristão, como um diplomata e como um teólogo-evangelista. A
intenção do autor em relação ao dedicado de sua obra é que ele pudesse ter
certeza daquilo que lhe foi ensinado. Portanto sua intenção é teológica, é
produzir fé no seu leitor. Segundo [6]Daniel
Marguerat os dois volumes da obra lucana foram dissociados quando da formação
do cânon do segundo testamento, ainda antes do ano 200 d.C. (MARGUERAT: 2OO3,
p. 13).
CONTEXTO LITERÁRIO
[7]Para
ler uma obra antiga, é preciso determinar o seu texto e, no caso de Atos, essa
determinação é um problema bastante complexo. A maioria das testemunhas desse
texto apresenta duas formas principais: o texto chamado “sírio” ou
“antioqueno”, e o texto chamado “egípcio” ou “alexandrino”. Mas pode-se
reuni-los sob o nome de “texto corrente”, tal a semelhança que transparece
entre um e outro quando comparados a uma terceira forma de texto, chamada
“ocidental”. Em geral essas variantes “ocidentais” não parecem reproduzir o
texto primitivo dos Atos. Mas a sua antiguidade e a sua difusão, tanto no
Oriente como no Ocidente, são notáveis, bem como o seu interesse histórico ou doutrinal.
Esta é a história da chamada de
Saulo. Não é uma narração de Sua “conversão” psicológica, como com frequência é
caracterizado, senão a história de como a graça divina transforma inclusive a
vida de um perseguidor.
Segundo [8]Fitzmyer
os interpretes modernos das cartas paulinas e dos Atos levantam com frequência
a questão de que a experiência de Saulo no caminho de Damasco deveria ser
rotulada como uma “conversão” ou uma “chamada” e que considerar esta
experiência como a de Agostinho e Lutero, ou como a de “consciência
introspectiva”, se deve a uma má interpretação das cartas de Saulo, pois em
(Fl-3:4-6) e (Gl-1:13-14) Saulo mesmo fala do seu passado judeu com uma
consciência robusta. Se usarmos a palavra “conversão” para o relato de Atos, esta
não deveria incluir todos os nuances de uma experiência psicológica em sentido
Agostiniano, mesmo em o caso de que Lucas tenha descrito a chamada de Saulo
como uma experiência que tem transformado de perseguidor a testemunha de Cristo
ressuscitado.
CONTEXTO HISTÓRICO
O Cristianismo estava sendo
perseguido e assolado pelos judeus e pelo Império Romano, acusado de ser
religião ilegal. Ao mesmo tempo, divisões e facções internas, junto com a
presença de falsos mestres ameaçavam a saúde do movimento. O cristianismo ainda
estava em desenvolvimento, mas sua obra missionária era “invejável“,
ainda que tenha se iniciado com perseguição. O livro encoraja os leitores pelos
relatórios do pregresso inevitável do evangelho através da Obra do Espírito
Santo. Incentiva a continuação da obra missionária iniciada por Pedro, Paulo e
outros.
CONTEÚDO
Primeiro relato
intercalado – os Atos de Saulo: 9:1-31
Estrutura:
A)
Saulo persegue a igreja: vs. 1-2
B)
Encontro com Jesus no caminho para Damasco-
° Resistência de Saulo: vs.
3-9
C)
Encontro de Saulo com Ananias em Damasco-
° Conversão de Saulo: vs.
10-19a
D)
Atividade missionária de Saulo e perseguição: vs. 19b-30
° Missão em Damasco: vs. 19b-22
° Perseguição contra Saulo –
Fuga de Damasco: vs.23-25
° Missão em Jerusalém: vs.
26-28
° Perseguição em Jerusalém –
Fuga para Cesaréia e Tarso: vs. 29-30
E
Sumário conclusivo: v.31
A) SAULO PRESEGUE A IGREJA: VS. 1-2:
[9]Esses
versículos retomam o fio narrativo da presença de Saulo na morte de Estevão
(At-7:58b; 8:1a) e sua posterior perseguição de Jerusalém
(8:3). O movimento de Jesus é identificado como “Os discípulos do Senhor”
(9:1), “os do caminho” (9:2). Normalmente esse caminho deveria significar a
maneira de viver e agir, a conduta por excelência, (cf. Is-30:21; Pv-15:10
TEB). Mas a esse sentido abstrato, os Atos, e só eles, acrescentam um sentido
novo: o termo é um dos que designam os cristãos (cf. At-11:26). Porque eles
seguem o caminho do Senhor, de Deus (cf. At-t18:25-26 Mt-22:16; Sl-27:11) e o caminho da salvação
(At-16:17).
[10]Os termos que Lucas usa para se referir a Saulo antes da sua conversão
parecem ser deliberadamente escolhidos para retratá-lo como “um animal selvagem e
feroz”. O verbo “lymainomai”, cuja única ocorrência
no N.T se encontra em Atos 8.3, em referência à “destruição” que Saulo causou à
igreja, é empregado no Salmo 80.13 [na Septuaginta], em relação a animais
selvagens destruindo uma vinha; o seu sentido específico é “destruição de um
corpo por um animal selvagem”.
Mais tarde, os cristãos
de Damasco o descreveram como aquele que tinha causado um “extermínio em Jerusalém” (At
9.21), onde o verbo
empregado é“portheo”, que significa “destruir,
assolar, espancar” que também aparece no
texto de Gl 1.13. Continuando a mesma imagem, o erudito J.A. Alexander sugere
que a menção de Saulo “respirando
ameaças e morte” (At 9.1) era uma “alusão ao arfar e ao bufar dos animais selvagens”. Portanto era esse o
homem (mais animal selvagem do que ser humano) que em poucos dias seria
um cristão convertido e batizado.
A conversão de Saulo foi
à maravilhosa graça de Deus. Paulo sempre mencionou que Deus tomou a iniciativa
de salvá-lo conforme sua vontade soberana (Gl 1.15,16). Além disso, Paulo
ilustrou essa verdade com pelo menos três imagens dramáticas. Em primeiro lugar, Cristo o conquistou
(Fp 3.12), o verbo “katalambano” dando a idéia que
Cristo o “capturou” antes que tivesse a oportunidade
de capturar algum cristão em
Damasco. Em segundo lugar, ele comparou sua
iluminação interior com a ordem criadora “Haja luz” (Gn 1.3) ou “das
trevas resplandecerá a luz” (II Co 4.6). Em terceiro lugar, ele escreveu que a graça de Deus “transbordou” sobre ele, como um rio em época
de cheia, inundando seu coração com fé e amor (I Tm 1.14). Assim a graça de Deus o capturou, iluminou
seu coração e o inundou como uma enchente.
Os discípulos são
“homens e mulheres” (essa linguagem inclusiva aparece frequentemente nos Atos
(cf. 5:14; 8:3.12; 9:2; 22:4). Saulo
esperava segurar os seguidores de Jesus em Jerusalém, a fim de destruí-los ali
(8:3). Mas alguns tinham escapado da sua rede, fugindo para Damasco, onde
várias sinagogas serviam uma grande colônia judaica. Determinado a perseguir
esses discípulos fugitivos em cidades
estranhas, Saulo elaborou uma trama para liquidá-los e persuadiu o sumo
sacerdote a sancioná-la (9:1b-2). Então, esse inquisidor auto-nomeado deixou
Jerusalém armado com a autorização escrita
às sinagogas de Damasco para que, caso achasse alguns que eram do Caminho assim
homens como mulheres os levassem presos para Jerusalém (v. 2). Em linguagem
moderna, o sumo sacerdote lhe concedeu uma ordem de extradição. [11]Saulo queria trazer
amarrados para Ierousalém (nome sagrado da cidade); esse nome é usado porque
Saulo quer reintegrar o movimento de Jesus à institucionalidade judaica.
Em 8:1 afirma-se que “os do caminho”
vivem em Ierosólima (nome civil da cidade), pois a comunidade perseguida
(a dos helenistas) não está integrada à institucionalidade judaica; por isso é
perseguida.
B) ENCONTRO DE SAULO COM JESUS NO CAMINHO PARA DAMASCO
VS.3-9:
Alguns aspectos atípicos cercam a conversão de Saulo, por
um lado havia eventos dramáticos e sobrenaturais, como o facho de luz e a voz
que o chamou pelo seu nome. Por outro lado, havia os aspectos históricos
únicos, como a aparição do Jesus ressurreto, que Saulo alega, mais tarde, ter
sido a ultima (9:17,27 e 1 Co-15:8), e sua comissão como apóstolo, semelhante
ao chamado de Isaías, Jeremias e Ezequiel para serem profetas, e mais
particularmente ser o apóstolo dos gentios.
Saulo encontra-se
com Cristo ressuscitado em suas vítimas. Jesus está vivo corporalmente nos
cristãos que Saulo persegue. Saulo vê Jesus ressuscitado. Isso não aparece
aqui, mas fica explicitado em (9:17, 27). O próprio Saulo dirá em suas cartas:
“Por acaso não vi Jesus, nosso Senhor?” (1 Co-9:1; 15:8). Saulo depois de ver
Jesus cai por terra, fica cego e como morto.
Aqui surgem dois estilos da literatura judaica, que são:
a profecia e a apocalíptica, iremos mostrar a literatura profética e depois a
apocalíptica com relação ao nosso texto, não iremos nos aprofundar no assunto
devido à densidade do mesmo e para provocar curiosidade ao leitor, tentaremos
encontrar paralelos desse tipo de literatura com a conversão de Saulo.
PROFECIA: [12]Anderson de O. Lima sugere em seu artigo “Defesa apocalíptica de
Paulo”
a leitura de Amós 3.9-12, texto do século VIII a.C., tipicamente profético. O
profeta convida nações pagãs, geralmente vistas como epítomes do pecado, para
subir nos montes de Samaria e assistir de camarote às injustiças que há na
cidade, então capital do Reino do Norte, Israel. Por fim, o profeta prevê a
invasão assíria, a destruição da nação e da injustiça dela. Segundo ele tense
então, a partir desse exemplo, algumas características da profecia para
enumerar:
1. A profecia é local,
não prioriza em sua fala o mundo ou o universo inteiro, antes, sua preocupação
é a nação ou no máximo países vizinhos;
2. A profecia nasce da
oralidade, e o profeta anuncia as visões e oráculo oralmente ao povo. Se, temos
profecia escrita, é porque depois alguém, comovido pela mensagem, a registrou
por escrito, mas profetas não eram escritos a princípio;
3. A preocupação da
profecia é principalmente social, isto é, lida com a pobreza, com a violência,
com a injustiça, e com base no caráter de Deus, que é justo, prevê uma ação
divina para alterar o rumo dos acontecimentos e punir os culpados;
4. A profecia típica é
um fenômeno religioso principalmente pré-exílico, e que sofreu transformações
com o tempo e a partir do século VI vemos nela cada vez mais a presença de
elementos apocalípticos, o que pode ser considerado uma evolução da profecia.
O relato lucano da chamada de Saulo tem sido
frequentemente comparado com o chamado dos profetas do antigo testamento, por
exemplo: (1 Rs-22:19), (Is-6:1-10), (Ez-1, 2:1-3), (Jr-1:4-10), más é
importante também levar em conta uma diferença, no antigo testamento as
histórias de chamada são apresentadas como uma comissão para uma missão
especial, não como uma chamada à mudança de vida. Dos chamados proféticos
analisaremos o de Ezequiel por ser o que mais se assemelha ao nosso objeto de
estudo. No livro do profeta Ezequiel (1:1) o profeta diz ter tido visões da
glória de Deus, nas outras visões da glória, é o templo, essa casa terrestre,
que serve de quadro para o encontro do Senhor. Agora é no céu que, a visão
aparece a Ezequiel, visto que ele se encontra na Babilônia. Essas indicações
topográficas dão todo o sentido da mensagem ezequielana: longe do santuário de
Jerusalém, os deportados não estão, a despeito do que se pensa (11:15), longe
do Senhor; porque do alto do seu palácio celeste ele reina sobre toda a terra; portanto, está próximo de seu povo disperso
entre as nações. Ezequiel designa por glória o ser divino enquanto se revela; é
a manifestação do poder, da santidade de Deus, perceptíveis através dos sinais:
fenômenos cósmicos (tormenta 1:4), símbolos litúrgicos. Contudo a representação
ezequielana apresenta certas particularidades: a glória tornou-se imediatamente
visível, pelo menos aos olhos do profeta, numa explosão de luz; além disso, ela
tem uma aparência bastante semelhante à forma humana; por fim, aparece como
realidade autônoma, quase hipostasiada: sai do templo, se posta acima da colina
próxima, retorna a ou santuário. Por outro lado, Ezequiel busca suavizar a
novidade e a audácia de tais expressões por formulas de aproximação: “Como: à
semelhança de” etc. Mas ele busca, sobretudo, aproximar os dados dificilmente
consiliáveis que são: o sentido da transcendência e a afirmação da proximidade de
Deus; a convicção da presença divina e a certeza de que a glória não pode ser
atingida pela iminente ruína da Jerusalém infiel.
Filho do homem muito freqüente em Ezequiel, que utiliza
várias vezes esta expressão marca especificamente neste capítulo 2, que
prolonga a grande visão do inicio - um contraste sugestivo; diante da glória do
Senhor, cuja grandeza parece quase terrificante (1:28), Ezequiel não passa de
um ínfimo filho de homem (1:3), incapaz até mesmo de ficar de pé. Depois de
cair com o rosto em terra, Deus fala com o profeta e diz que o está enviando.
Depois Ezequiel vai para Tel-Abib que signinifica “colina da espiga”. Com
alguns manuscritos hebraicos pode-se também traduzir: “morei lá, sete dias, no
meio deles, desconcertante.
Agora vejamos o que aconteceu com Saulo, um facho de luz
do céu o envolve com seu brilho, ou seja, como Ezequiel Saulo vê a glória de
Deus. Ele cai por terra como Ezequiel e ouve uma voz que o chamando pelo nome,
o grego transcreve no (v.4) e (v.17), o mais exatamente possível, a pronúncia
semítica do nome de Saulo, “Saul”. “Eu sou Jesus”, o Eu Sou é aqui como em
outras passagens (Lc-21:8; 22:70; 24:39; Jo-6:20,35), uma fórmula de revelação.
Na revelação de Cristo ressurreto para Saulo, fica claro que na pessoa de seus
discípulos quem é perseguido é o Senhor Jesus. Jesus fala para Saulo que o
enviará assemelhando mais uma vez sua chamada ao do profeta. Mas Paulo
levantasse cego, pois há um preço a ser pago por ver a glória de Deus, Ezequiel
fica sete dias atônito, atordoado ou desconcertante, Jacó ao ter um encontro
com Deus no vau do Iaboq fica manco (Gn-32:26).
[13]APOCALÍPTICA: Agora podemos seguir para
a apocalíptica, cujo principal exemplo continua sendo o livro do Apocalipse de
João, o último livro do Novo Testamento e o texto que deu nome ao gênero. [14]
Esse gênero da literatura judaica existiu por vários séculos, e muitos dos
textos apocalípticos são datados do chamado “período interbíblico”. Mas a
apocalíptica continuou produzindo textos como o nosso Apocalipse de João e
outros até o século III d.C. Porém, sugiro a leitura de um texto dos
primórdios, que é apocalíptico, mas que também permanece próximo da profecia.
Trata-se de Isaías 24.1-3. Após lê-lo, veja as características da apocalíptica
conforme assinalamos abaixo:
1. A apocalíptica é
mais textual que oral, os apocalípticos já escreviam suas visões e não as
divulgavam oralmente como os profetas, embora eles mesmos ainda pudessem se
considerar profetas;
2. A apocalíptica
costuma apresentar viagens celestiais que os visionários têm em momentos de
êxtase. Ou seja, são revelações inconscientes de coisas celestiais;
3. A apocalíptica é
universal, e não local. Quando Deus intervém apocalipticamente na história, não
muda uma nação, não troca um governo, mas acaba com a terra e todos os seus
moradores, sejam eles bons ou maus. Astros são abalados, os elementos se
misturam e nesse caos não há como escapar;
4. A apocalíptica
apresenta-se em linguagem simbólica, velada. Há sempre uma espécie de “segredo
apocalíptico” que não pode ser revelado, algo visto ou ouvido que não é
permitido repetir (Dn 12.4; Ap 10.4). As bestas, mulheres, seres de várias
cabeças e chifres, números secretos, são símbolos que já ocultam o significado
real da mensagem;
5. A apocalíptica é
pessimista com relação à restauração desse mundo. Enquanto o profeta espera a
restauração política de sua nação, o apocalíptico só vê melhorias se o mundo
acabar. A nova criação é assim, a sua esperança;
6. A apocalíptica é
quase sempre “pseudonímica”. Isso significa que os visionários não revelam suas
identidades em seus escritos, antes, costumam atribuir as viagens celestiais a
outros personagens como Enoque, Pedro, Moisés, Daniel...;
7. A apocalíptica
costuma apresentar uma revelação progressiva, gradual. No céu, o visionário
visita vários estágios, vários templos, vários céus, vários selos, trombetas ou
taças... [8] Em Divina Comédia o poeta italiano da Idade Média, Dante
Alighieri, criou uma viagem celestial em que visitou inferno, purgatório e céu,
demonstrando que compreendeu essa característica progressiva da apocalíptica
judaica. Geralmente, só no estágio mais elevado o visionário vislumbra a glória
de Deus;
8. A apocalíptica
costuma contrapor a magnitude da revelação à fraqueza do visionário. Veja
Ezequiel 1.28, Daniel 8.26-27 e Apocalipse 1.17, onde os visionários perdem as
forças por terem vislumbrado coisas santas demais. Assim, podemos dizer quem em
geral, na apocalíptica judaica quem recebe grandes revelações sofre como consequência
a fraqueza física.
Paulo não nasceu no tempo da profecia, mas no tempo da
apocalíptica. Por isso, no momento em que ele decidiu relatar sua experiência
religiosa, escolheu a linguagem apocalíptica, própria de seu tempo e lugar. É
isso o que veremos a seguir, lendo 2coríntios 12.1-10.
2
Co-12:1-10
“(1) Em verdade que não
convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. (2) Conheço
um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do
corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. (3) E sei que
o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) (4) foi
arrebatado ao paraíso e ouviu palavras indizíveis, de que ao homem não é lícito
falar. (5) De um assim me gloriarei eu, mas de mim mesmo não me gloriarei,
senão nas minhas fraquezas. (6) Porque, se quiser gloriar-me, não serei néscio,
porque direi a verdade; mas deixo isso, para que ninguém cuide de mim mais do
que em mim vê ou de mim ouve. (7) E, para que me não exaltasse pelas excelências
das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um anjo de Satanás,
para me esbofetear, a fim de não me exaltar. (8) Acerca do qual três vezes orei
ao Senhor, para que se desviasse de mim. (9) E disse-me: A minha graça te
basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me
gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. (10)
Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando estou fraco,
então, sou forte”
Como nos foi proposto fazer uma analise comparativa entre
2co-12:1-10 e At-9:1-35, tive por necessidade escrever todo o texto para
comparar seus aspectos e suas ligações.
Jesus deixou em Jerusalém, um pequeno grupo formado por
doze homens, ou seja, seus doze apóstolos e mais alguns que aderiram ao
movimento que creram nas pregações de Jesus. Em suma, são estes homens vêem ser
crucificado, testificaram sua ressurreição e ficaram em Jerusalém a espera da promessa
(Lc-4:49), e esperando volta de Jesus que para eles não demoraria. Fora desse
círculo mais íntimo, Jesus deixou na galiléia e nas aldeias por onde ensinou
centenas de simpatizantes, que não se tornaram seus seguidores itinerantes, más
que também creram em sua mensagem original e deram segmento a ele após sua
morte nas regiões da Galiléia. Paulo não fazia parte desse grupo, aparece entre
os novos adeptos de Jesus menos de dez anos após sua morte, e logo passa a
pregar e implantar outras comunidades independentes daquelas dos apóstolos
originais, formando uma linha independente dessa igreja primitiva, que em
muitos aspectos era oposta às demais. Sem ter vivido a experiência de conhecer
e seguir Jesus, e sem inspirar-se no ensino dos doze, Paulo pregou o Jesus que
ele conhecera através de uma experiência religiosa particular, quando o Filho
de Deus veio ao seu encontro em sua forma glorificada.
[15]Segundo
Anderson de O. Lima, em (2Co-12:1-10) Paulo faz uma defesa do seu apostolado.
Um dos grandes problemas enfrentado por Paulo girava em torno de sua autoridade
apostólica, que autoridade tinha ele para pregar e instituir igrejas
independentes entre os gentios? Com que direito ele dizia ser apóstolo? Não
deveriam tais comunidades paulinas procurar seguir aquilo que os doze ensinavam
após o primeiro contato com Jesus? Entender esse conflito e o posicionamento de
Paulo é fundamental para compreender o texto de 2coríntios e também as demais
cartas autenticamente paulinas.
Em Atos dos Apóstolos 1.21-22 temos os critérios de Lucas
para a escolha de um apóstolo. Narra-se a escolha de Matias para substituir
Judas, e em resumo, os critérios para se tornar apóstolos são:
Só deveria haver doze apóstolos. Era necessário
substituir Judas, recompor o grupo dos doze, mas também não deveriam ter mais
do que isso. Aqui os apóstolos são os líderes da igreja, e o número doze talvez
fosse para Lucas importante, simbolizando os patriarcas e as tribos do Antigo
Testamento. Assim, toda a nação estaria representada nos doze, e ninguém
poderia ser apóstolo fora desse grupo fechado de Jerusalém.
Segundo os critérios de Lucas, só podia ser apóstolo
alguém que vivera com Jesus e os demais apóstolos desde o começo do ministério
de Jesus. Assim, vemos que no livro de Atos, que tanta ênfase dá à trajetória
de Paulo, o seu título apostólico não era reconhecido. Paulo não viu Jesus,
podia ser pregador, missionário, mas nunca um apóstolo. O objetivo do
apostolado em Atos é testemunhar a respeito da ressurreição de Jesus. Eles não
eram necessariamente missionários, enviados como sugere a palavra “apóstolo”.
Por isso tinham que conhecer o Jesus humano e o Jesus glorificado, para que seu
testemunho de que ele morreu e ressurgiu fosse digno de confiança. Outra vez,
Paulo está desqualificado. Algumas características que impediam Paulo de ser um
apóstolo:
1. Paulo nunca viu
Jesus nem andou com os doze apóstolos, e isso desqualifica sua pregação que é
indireta e o impede de ser um apóstolo autorizado na opinião de alguns;
2. Paulo fora fariseu e
perseguidor da igreja, seu passado condenável preocupava parte dos cristãos
primitivos;
3. Paulo prega uma fé
separada do judaísmo que os apóstolos e até Jesus seguiram, e isso é um nítido
afastamento das origens do movimento;
4. Paulo cria divisão
nas sinagogas ao atrair os simpatizantes gentios, e como seu trabalho causa
tanta discórdia, talvez não seja um trabalho benéfico.
Em (2 Co-12:1-10) é nítido a presença de pregadores
judeus denominados por Paulo de” superapóstolos”. Ao que parece Paulo para se
defender, precisou “gloriar-se” e teve que apelar para revelações
transcendentais a fim de que não ficasse atrás desses oponentes. (2 Co-12:1-10)
[16]é
então um relato de viagem celestial extática que Paulo faz em estilo
apocalíptico para provar que não deve nada aos seus rivais competidores quanto
as experiências sobrenaturais.
Para aquilo que me foi proposto para este trabalho com
relação à ligação de (At-9:1-9) com (2 Co-12:1-10), minha hipótese é que Paulo
está contando sua experiência de conversão, neste caso teríamos a narração
direta de quem viveu a experiência, e agora a relata com riqueza de detalhes,
sabemos que a referência cronológica citada por Paulo “há catorze anos” não
liga cronologicamente o episódio de Atos com o de 2 Co:12. Segundo [17]Helmut
Koester, Paulo se convertera em 35 d.C., e o texto de 2coríntios 12 deve ser
datado em 54 d.C. Consequentemente faltam alguns anos para que liguemos a
conversão de Paulo à carta.
Saulo distingue bem o acontecimento do caminho de
Damasco, aparição do Ressuscitado, (1 Co-9:1; e 15:8) das revelações que teve
depois (At-16:9; 18:9; 23:11). Por isso defendo minha hipótese de Saulo está
relatando sua experiência de conversão, pois ele não citaria algo que ocorreu
há catorze anos se isso não tivesse sido algo que marcara sua vida.
ANÁLISE
COMPARATIVASOBRE OS TRÊS
RELATOS
DA CONVERSÃO DE PAULO
É surpreendente que, dentro da história de Atos,
relativamente pequena, Lucas tenha incluído três narrações da conversão de
Saulo, a primeira como parte de sua narrativa (9:1-19); a segunda, nas palavras
de Paulo diante da multidão de judeus em Jerusalém (26:5-16); e a terceira,
novamente nas palavras de Paulo, diante de Agripa (26:12-18). “Lucas emprega
essas repetições”, escreveu [18]Haenchen,
“apenas quando atribui uma importância extraordinária a alguma coisa e deseja
que ela fique impregnada de forma inesquecível no leitor. É o que acontece aqui
“se a repetição é explicada pela importância do tema, como então explicar as
diferenças entre os três relatos?
Com certeza, elas indicam que Lucas não era um adepto do
literalismo: ele não viu nenhuma necessidade de garantir que cada relato fosse
uma réplica exata e literal das outras. Pelo contrário, já que a cada vez que a
história é contada, o público e, portanto, os propósitos são diferentes,
naturalmente isso reflete na apresentação detalhada. Quando estudamos como um
único autor (Lucas) conta a mesma história de três formas diferentes, isso nos
ajuda a entender como os evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) também
conseguiram contar a mesma história de formas diferentes. Assim, a prática de
Lucas lança luz sobre a “crítica da redação”, mostrando como a obra de um
redator (editor) pode ser influenciada por seu propósito teológico.
O esboço da história da conversão de Saulo é idêntico em
todos os três relatos. Todos os três nos contam (1) que Saulo se lançou numa
campanha violenta de perseguição contra os seguidores de Jesus e que o sumo
sacerdote a sancionou; (2) que na estrada de Jerusalém para Damasco, uma forte
luz do céu brilhou sobre ele e o jogou no chão; (3) que a voz do Senhor
ressurreto dirigiu-se a ele com a pergunta: “Saul, Saul, por que me
persegues?”; que Saulo respondeu: “Quem és tu, Senhor?” e que Jesus replicou:
“Eu sou Jesus, a quem tu persegues”; e (4) que Saulo recebeu a ordem de
levantar-se e, depois, foi comissionado, indicando que ele fora escolhido para
ser testemunha de Jesus junto aos gentios.
Mas algumas partes da história divergem muito; cada
relato acrescenta algo que os outros omitem. Vamos nos referir aos relatos como
sendo A (9:1-19), B (22:5-16) e C (26:12-18). Enquanto ao local da conversão, A
e B dizem “perto de Damasco”, C apenas “no caminho”. Quanto ao horário, B e C
dizem, “ao meio dia”, enquanto A não faz nenhuma referência ao horário. Em
relação à luz, todos os três que ela vinha do céu, mas apenas C a descreve como
“mais resplandecente que o sol”. Em relação a voz, apenas C diz que ele falou
em hebraico (na verdade, em aramaico), e
acrescenta o provérbio sobre recalcitrar contra os aguilhões. Apenas B relata a
segunda pergunta de Saulo “Que farei Senhor?” A e B dizem que ele foi cegado,
mas apenas A conta como ele foi curado, enquanto C não menciona a cegueira nem
a cura. A e B mencionam o batismo de Saulo, C não.
Essas variações são bem triviais: os seus detalhes
diferentes completam, e não contradizem um ao outro. Duas outras, porém, são
consideradas discrepância por alguns comentaristas. A primeira diz respeito à
experiência dos companheiros de Saulo. A, diz que eles ficaram emudecidos, mas
C diz que eles caíram por terra. B fala que eles viram a luz, mas A diz que
eles não viram ninguém. A, afirma que
eles ouviram uma voz, mas B diz que eles não ouviram a voz daquele que falava
com Saulo. Sugiro para harmonizar essas aparentes discrepâncias que
provavelmente, que os homens tenham caído com Paulo, levantando-se também com
ele. Quanto à visão e a voz, eles viram a luz, mas não viram a pessoa de Jesus
(como Saulo), e eles ouviram o som, sem conseguir entender as palavras. Ou,
como [19]Crisóstomo
sugeriu muito tempo atrás, “Eles... ouviram a voz de Saulo, mas não viram a
pessoa com que ele falava”.
A segunda divergência diz respeito à comissão de Saulo e
ao papel de Ananias. Apenas A conta toda a história de Ananias, como ele teve a
visão de Jesus, como recebeu a ordem de procurar Saulo, como ele levantou
objeções, como recebeu a garantia de que Saulo era o instrumento escolhido para
levar o nome de Cristo aos gentios bem como aos judeus, e também para sofrer
por esse mesmo nome, como ele foi até a Rua Direita, como ele impôs as mãos em
Saulo e como o recebeu na comunhão. B omite toda conversação entre Jesus e
Ananias, mas diz que Ananias foi até Saulo, devolveu-lhe a vista e transmitiu a
ele a comissão de Cristo para ser uma testemunha diante de todos os homens. C,
por outro lado, não faz nenhuma menção de Ananias, mas dá a impressão de que
Cristo comissionou a Saulo na estrada, antes de entra em Damasco, enquanto que
os termos da comissão são muito mais completos e parecem incluir não só as palavras
de Ananias, mas também o que Jesus falou a Saulo mais tarde,, no templo, quando
entrou em êxtase (22:17ss). Lucas (ou o próprio Saulo) evidentemente está
fundindo o que Jesus falou nas três ocasiões: na estrada, com e através de
Ananias e, mais tarde, em Jerusalém. Se, como parece estar claro, a sua
intenção é juntar as várias partes da comissão de Cristo, e não especificar
onde e quando cada parte foi dada, precisamos permitir-lhe essa liberdade e não
acusá-lo de inexatidão.
Finalmente é compreensível que Lucas desse um relato
detalhado do papel de Ananias em sua própria narrativa, e que Saulo,
dirigindo-se a judeus hostis no degrau da fortaleza de Antônia enfatizasse que
Ananias era “piedoso conforme a lei; tendo bom testemunho de todos os judeus que
ali moravam” (22:12). Mas diante de Agripa e Festo, Saulo omitiu completamente
a história de Ananias. Em primeiro lugar, Ananias poderia ser desconhecido para
eles. Depois, Saulo queria enfatizar a imediação do seu encontro com Cristo. Cristo o comissionou
de forma pessoal e direta, ele não foi desobediente à sua visão celestial.
BIBLIOGRAFIA
Anderson de Oliveira Lima
Doutorando e Mestre em Ciências
da Religião (Literatura e Religião no Mundo Bíblico) e Especialista em Bíblia
(Tradição Profética) pela Universidade Metodista de São Paulo, Bacharel em
Música (violão erudito). Escritor de artigos acadêmicos e reflexões sobre temas
relacionados à literatura bíblica, os quais são publicados e divulgados pela
internet e outros meios de comunicação.
Defesa apocalíptica de Paulo.
CRISÓSTOMO, João. As
homilias sobre os Atos dos Apóstolos pregadas em Constantinopla em 400 d.C.;
de A Select Library of the Nicene and post-Nicene Fathers, Ed. Philips Schaff,
vol. XI, 1951 (Eerdmans, reimpressão, 1975).
HAECHEN, Ernst. The Acts of the Apostles; A Commentary
(1956; 14ª ediçao alemã, 1965; traduzido para o ingles, Brasil Blackwell,
1971).
JOSEPH, A. Fitzmyer. Los hechos de los apostoles. Ediciones sígueme, salamanca, 1ª Ed.
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KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento, volume 2:
História e Literatura do Cristianismo
Primitivo. São Paulo: Paulus, 2005.
MARGUERAT, Daniel. A primeira história do cristianismo: os Atos dos Apóstolos. São Paulo, Loyola, Paulus, 2003. Pg.
13.
PINTO, Carlos Osvaldo, Apostila de Teologia Bíblica do
Novo Testamento 1. Material
não publicado. pp.??
RICHARD, Pablo. O
Movimento de Jesus depois da ressurreição:
uma interpretação libertadora dos Atos dos
Apóstolos. São Paulo, Paulinas,
2001. Pg.87
STOTT, John. A
mensagem de Atos: Até os confins da terra. 2ª Ed. São Paulo, Abu Editora,
2008. Pg. 18.
Tradução
Ecumênica da Bíblia, Loyola, São Paulo, 1994.
WATSON, D.
F. Paulo e o Gloriar-se, pp. 57-79.
[1] Tradução Ecumênica da Bíblia, Loyola, São
Paulo, 1994.
[2]
RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus
depois da ressurreição: uma
interpretação libertadora dos Atos dos
Apóstolos. São Paulo, Paulinas,
2001. Pg.87
[3] RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus depois da ressurreição:
uma interpretação libertadora dos Atos dos
Apóstolos. São Paulo, Paulinas,
2001. Pg.17
[4] PINTO, Carlos Osvaldo, Apostila
de Teologia Bíblica do Novo Testamento 1. Material não publicado. pp.??
[5]
STOTT, John. A mensagem de Atos: Até os
confins da terra. 2ª Ed. São Paulo, Abu Editora, 2008. Pg. 18.
[6] MARGUERAT, Daniel. A primeira história do cristianismo:
os Atos dos Apóstolos. São Paulo,
Loyola, Paulus, 2003. Pg. 13.
[7]
TEB (tradução ecumênica da bíblia)
introdução a Atos.
[8]
JOSEPH, A. Fitzmyer. Los hechos de los
apostoles. Ediciones sígueme, salamanca, 1ª Ed. 2003.
[9]
RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora
dos Atos dos Apóstolos. São Paulo, Paulinas, 2001. Pg.90.
[10]STOTT,
John. A mensagem de Atos: Até os confins
da terra. 2ª Ed. São Paulo, Abu Editora, 2008. Pg. 188.
[11]
RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus
depois da ressurreição: uma
interpretação libertadora dos Atos dos
Apóstolos. São Paulo, Paulinas,
2001. Pg.90.
Doutorando e Mestre em Ciências da
Religião (Literatura e Religião no Mundo Bíblico) e Especialista em Bíblia
(Tradição Profética) pela Universidade Metodista de São Paulo, Bacharel em
Música (violão erudito). Escritor de artigos acadêmicos e reflexões sobre temas
relacionados à literatura bíblica, os quais são publicados e divulgados pela
internet e outros meios de comunicação.
Defesa apocalíptica de Paulo.
Doutorando e Mestre em Ciências da
Religião (Literatura e Religião no Mundo Bíblico) e Especialista em Bíblia
(Tradição Profética) pela Universidade Metodista de São Paulo, Bacharel em
Música (violão erudito). Escritor de artigos acadêmicos e reflexões sobre temas
relacionados à literatura bíblica, os quais são publicados e divulgados pela
internet e outros meios de comunicação. Defesa
apocalíptica de Paulo.
Doutorando e Mestre em Ciências da
Religião (Literatura e Religião no Mundo Bíblico) e Especialista em Bíblia
(Tradição Profética) pela Universidade Metodista de São Paulo, Bacharel em
Música (violão erudito). Escritor de artigos acadêmicos e reflexões sobre temas
relacionados à literatura bíblica, os quais são publicados e divulgados pela
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Defesa apocalíptica de Paulo.
[17]
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo
Testamento, volume 2: História e Literatura do Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulus, 2005
[18] HAECHEN, Ernst. The Acts of the Apostles;
A Commentary (1956; 14ª ediçao alemã, 1965; traduzido para o ingles, Brasil
Blackwell, 1971).
[19]
CRISÓSTOMO, João. As homilias sobre os
Atos dos Apóstolos pregadas em Constantinopla em 400 d.C.; de A Select
Library of the Nicene and post-Nicene Fathers, Ed. Philips Schaff, vol. XI,
1951 (Eerdmans, reimpressão, 1975).
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